Título: Postura de Palocci é exemplo para o PT
Autor: Fernando Luiz Abrucio
Fonte: Valor Econômico, 22/08/2005, Política, p. A6

Todos os governos passam por crises. O alcance delas vai depender da dimensão dos erros cometidos e da capacidade das lideranças governistas de responder à sociedade e ao sistema político. Os equívocos e até mesmo os crimes cometidos por petistas, alguns com postos no Executivo federal, foram enormes. Mas o que mais impressiona é a falta de habilidade democrática para lidar com as denúncias. Quase uma exceção a esta regra foi o comportamento do ministro Antonio Palocci diante das acusações que surgiram na última sexta-feira. Seu exemplo deveria ser seguido por outros líderes do partido, principalmente por José Dirceu, pivô de todo o imbróglio em que se meteu o governo Lula. Tal lição, aliás, deveria ser ensinada também ao presidente da República. Não se trata de dar aqui um atestado de inocente ou de culpado para Palocci. Há denúncias que devem ser investigadas, pois, como bem definiu o ministro da Fazenda, ninguém está acima da lei. Mas a maneira como ele respondeu à sociedade é um paradigma de como um homem público deve fazê-lo. Particularmente, a sua entrevista coletiva foi a melhor resposta dada por um político petista desde o início da crise. A entrevista coletiva foi precedida por um longo e pormenorizado depoimento, o qual, ao contrário das desculpas presidenciais à nação, deixou transparecer uma enorme franqueza. Palocci estava muito seguro e, principalmente, procurou mais defender sua honra do que garantir uma posição de poder. O desapego ao cargo foi raro nos recentes problemas enfrentados pelos petistas, dentro e fora do governo - outra exceção foi o comportamento de José Genoino, o qual, apesar dos erros cometidos, soube sair com elegância e espírito público da posição que ocupava. Palocci contou que pôs o seu cargo à disposição e afirmou que a política econômica era maior do que as pessoas. Tal visão aumentou ainda mais sua credibilidade, inclusive junto aos líderes da oposição. Trata-se do comportamento oposto ao de José Dirceu, muito mais preocupado em se defender e proteger o seu grupo do que com o destino de seu partido - e enquanto Dirceu não sair de cena, a crise no Partido dos Trabalhadores se aprofundará indefinidamente. Aviso, desde já, que não concordo com todas as ações da área econômica, mas não posso deixar de elogiar a perspectiva de construção institucional que demonstrou o ministro da Fazenda. Os resultados até agora alcançados, disse Palocci, advêm de conquistas de outros governos - ele deu os exemplos do fim da conta movimento, no governo Sarney, e da criação da LRF, na gestão de FHC - e, sobretudo, da sociedade. O olhar de longo prazo, típico dos grandes políticos, norteou seu posicionamento. Enquanto isso, José Dirceu protege o passado para evitar a chegada do futuro. Nesta mesma linha de comportamento, Palocci não procurou incriminar outros para salvar a sua pele. Mesmo tendo havido alguns equívocos da imprensa na cobertura das denúncias de Buratti, o ministro da Fazenda realçou a importância da mídia para a democracia. Os eventuais erros dos jornais, revistas e TV, que têm ocorrido com mais freqüência do que deveriam, precisam ser enfrentados por meio de um diálogo franco e aberto. Responder à sociedade é um dever de todo ocupante de cargo público, e se isso for feito com competência, os órgãos de comunicação que erraram podem sair desmoralizados.

Dirceu protege passado para evitar futuro

Não me recordo de outra alta autoridade pública que tenha enfrentado tão de peito aberto uma denúncia como o ministro Palocci. Repito o que foi dito antes: isso não o faz nem inocente, tampouco culpado. Só que uma postura tão altiva como essa deverá levar a uma investigação mais cuidadosa daqui para diante. O Ministério Público paulista foi tomado pela síndrome de "Luiz Francisco", aquele membro do MP federal que, incentivado pela oposição petista, transformava o necessário controle do Poder público num espetáculo jacobino de incriminar a priori os ocupantes de cargos públicos, principalmente seus adversários "neoliberais". Passar a conta gotas informações de um interrogatório em andamento e filmar um depoimento para ser exibido em rede nacional de TV são dois procedimentos que ferem princípios universais do Estado de Direito - em países com maior tradição de cidadania, tais ações poderiam servir como forte mecanismo de defesa de qualquer investigado. O fato é que, depois do que fizeram os membros do MP paulista, até a delação premiada pedida por Buratti pode, juridicamente, ser colocada em questão. O ministro Palocci deve ser profundamente investigado, mas com a parcimônia que deveria existir em qualquer processo legal - algo que, infelizmente, a maioria dos pobres das periferias brasileiras não encontra nas delegacias de polícia. Se todos os petistas até agora acusados tivessem adotado a mesma postura do ministro Palocci, talvez a crise tivesse encontrado um ponto de equilíbrio entre a necessária investigação dos fatos e a manutenção de padrões mínimos de governabilidade. Mas não: mentiras sem fim, acusações contra as elites e a imprensa e, sobretudo, a autofagia têm prevalecido no Partido dos Trabalhadores. E o ministro José Dirceu é o mestre da autofagia, da criação de situações que prejudicam exatamente os ideais que dizia defender, em nome da defesa de seus interesses e da camarilha que o acompanhava na cúpula do partido. Ele que atuara sempre em nome de propósitos coletivos, no estilo de certa utopia socialista (ou stalinista?), comporta-se agora como a classe política tradicional que sempre criticou. Há muito se sabia que Palocci se diferenciava da maioria de seus colegas de governo pela competência. Hoje, sabemos que o presidente Lula foi acompanhado, em seu gabinete e na direção de seu partido, por pessoas que majoritariamente não tinham espírito público. Mais uma vez, Palocci é uma das poucas exceções. Quem sabe o presidente se espelhe mais em seu ministro da Fazenda e convoque uma entrevista coletiva. A democracia brasileira só teria a ganhar - e, garanto, o próprio Lula poderia sair mais fortalecido da crise criada por aquele que fora, um dia, chamado de seu braço direito.