Título: Denúncia favorece ataque à política econômica
Autor: Claudia Safatle e Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 22/08/2005, Política, p. A7

Crise Dois grupos liderados por ministros revezam-se na crítica à condução da economia

"As políticas (econômicas) não carecem de reforço, mas não podem ser enfraquecidas. Esse seria um erro do tamanho do Brasil", declarou o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, em entrevista ontem, para se defender das acusações do seu ex-assessor, Rogério Buratti, na Prefeitura de Ribeirão Preto. Essa foi mais do que uma mera afirmação de que, na economia, nada mudará, com ele ou sem ele. Na verdade, Palocci tocou no centro da disputa que esta na raiz das discussões sobre a política econômica para 2006, que é aumentar dos 4,25% para 5% do PIB o superávit primário para 2006. O grupo contrário ao aumento do esforço fiscal no governo e no PT, que ganhou um renovado fôlego nas últimas semanas em que a crise política se intensificou, esta fazendo campanha aberta por mudanças na política econômica. A ofensiva desse grupo começou justamente no momento em que o ministro da Fazenda apresentou a proposta de elevação do superávit primário, num endurecimento fiscal, no entendimento do que a ele se opõem, incompatível com a situação de crise política, com a necessidade de aumentar o crescimento da economia e num ano de campanha eleitoral. O enfraquecimento de Palocci, face às denúncias (ainda que sem provas e ontem desmentidas com ênfase), dá fôlego renovado aos que se opõem à política econômica. Na verdade, dois grupos se revezam nas críticas. Um é liderado pelo ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, contrário aos rumos da economia desde os tempos em que era ministro do Trabalho. Na recente reforma ministerial, Wagner assumiu o posto de articulador político do governo e ficou ainda mais próximo do presidente Lula. Fortalecido pelo cargo, voltou a bater na política econômica. Na semana passada, momentos antes de uma reunião convocada pelo presidente Lula com outros dez ministros, Wagner abordou o assunto, advogando que se o governo mudar a política econômica, ajudará a pacificar o PT, que está em crise por causa do escândalo do valerioduto. Um ministro, segundo relato de dois participantes do encontro na ante-sala do presidente, perguntou a Jaques Wagner se o PT se incomodava tanto com a política econômica quanto com as alianças que fez com o PL, o PTB e o PP. Foi uma cena constrangedora, segundo as duas testemunhas. Na verdade, o presidente Lula não se impressiona com as avaliações econômicas do ministro das Relações Institucionais, mas elas refletem a postura também do presidente interino do PT, Tarso Genro, que vê na mudança da economia a forma de reaglutinar as forças do PT. Esse grupo, porém, não tem exata clareza do que pretende. O foco da insatisfação é a falta de recursos para gastar e as elevadas taxas de juros que acabam por consumir boa parte do dinheiro público. A política ideal, para eles, seria menos rigor fiscal e juros menores, mas a maneira de se chegar lá sem que se comprometa a estabilidade de preços ainda não passa de um desejo. No outro núcleo crítico dos rumos da economia estão a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o presidente do BNDES, Guido Mantega. A diferença em relação a Jaques Wagner é que as críticas dos dois, mesmo que incômodas para a equipe econômica, são pontuais. Dilma e Mantega não pregam uma guinada na política, nem a troca dos instrumentos calcados no tripé: regime de metas para a inflação, câmbio flutuante e superávit primário das contas públicas. O que ambos defendem é mais simples, porém não menos delicado: o cumprimento da meta fiscal de 4,25% do PIB e não a prática de uma política mais rigorosa como ocorre hoje, quando o superávit primário, acumulado em doze meses, está na casa dos 5% do PIB. No início do governo Lula, quando comandava o Ministério das Minas e Energia, Dilma era uma das assessoras do presidente que mais batiam na política econômica. Criticava tanto que certa vez Lula pediu a ela que debatesse com especialistas e trouxesse um modelo alternativo e trouxesse para ser discutido no governo. Um Plano B que nunca apareceu. Com o tempo, Dilma passou a apoiar Palocci. Na reunião da semana passada, ela assumiu posição contrária à elevação do superávit para 5% do PIB, proposta por Palocci e pelo Banco Central. Defendeu, também, a imediata redução do superávit corrente - dos 5,08% para os 4,25% do PIB - para que o governo possa realizar as obras de infra-estrutura previstas no orçamento deste ano. "Quando critica o aumento do superávit, a ministra Dilma responde à pressão por verbas dos outros ministérios. Não é uma crítica à política econômica", observa um colaborador do presidente Lula. Guido Mantega, ex-ministro do Planejamento e presidente do BNDES, alia-se à Roussef no coro contra a elevação do arrocho fiscal. Toda semana ele tem um encontro com Lula e suas críticas, embora não sejam são bem recebidas pela área econômica, são vistas, não raro, como uma verbalização do que pensa o próprio Lula. Recentemente, Mantega foi a Brasília debater o orçamento do BNDES para 2006, numa reunião com outros ministros e com o presidente. Como vem tendo dificuldades para fazer os investimentos previstos para 2005, ele teria apresentado proposta insólita, na avaliação de outros participantes desse encontro: a redução do orçamento do banco para 2006, dado que o BNDES não está conseguindo cumprir o programa deste ano. A proposta foi recebida com certa ironia. "Ele quer a redução do superávit primário, mas não consegue gastar o que o BNDES tem em caixa", criticou um auxiliar do presidente. Mesmo na área econômica, a opção por maior rigor fiscal ainda não é um consenso. Há quem gostaria de ter, em troca, algum compromisso do BC com a redução dos juros, para não se repetir em 2006 o que ocorreu em 2004, quando o superávit passou de 4,25% para 4,5% do PIB e ainda assim, o BC teve que aumentar os juros. Esse, porém, é um compromisso praticamente impossível de se obter.