Título: Dentro do PT, Tarso e Berzoini endurecem embate
Autor: Jaqueline Paiva e Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 22/08/2005, Política, p. A7

Na superfície, a crise do PT parece se resumir à queda de braço entre os ex-ministros Tarso Genro e José Dirceu. No fundo, o sujeito oculto que alimenta a crise é outro: a sucessão presidencial de 2006. Quem levar agora o controle do partido terá peso decisivo na escolha do candidato, se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desistir da reeleição, hipótese considerada real entre petistas, e poderá influir fortemente na formação e nos rumos do próximo governo, caso Lula obtenha um novo mandato, especialmente na economia. Uma coisa é certa: se o atual grupo dirigente do partido conseguir alijar Dirceu e dissolver o antigo campo majoritário, o PT quer ter voz mais ativa na economia. É corrente, nesse grupo, que o partido não deve mais passar "um cheque em branco" ao novo presidente, seja ele Lula ou outro nome. Em pelo menos duas ocasiões, Tarso Genro tentou aprovar, em instâncias do PT, documentos com críticas mais severas à política econômica do ministro Antonio Palocci (Fazenda). Foi derrotado nas duas vezes. Segundo petistas, esse tem sido o erro do ex-ministro, não as supostas conspirações de José Dirceu. Na realidade, Palocci e sua política econômica têm aliados firmes no PT, como o grupo ligado a ex-prefeita Marta Suplicy (SP). Peça fundamental do grupo que agora dirige o PT, o secretário-geral Ricardo Berzoini (SP) explica: "Não queremos 'esquerdizar' a política econômica", sustenta, "mas é preciso ter dinheiro para a infraestrutura para combater os gargalos que impedem o crescimento". Para Berzoini, a atual política econômica "é gravemente exagerada: a execução orçamentária é altamente insatisfatória e a política monetária está levando o país a pagar juros desnecessários". Ricardo Berzoini, que não pode ser confundido com a esquerda do partido, acredita que hoje há consenso sobre a necessidade da manutenção dos fundamentos básicos da economia, como superávit primário e cautela para evitar repiques inflacionários. "Mas o que se vê hoje é uma busca implícita de superávit em 5%. A meta de inflação poderia ter sido flexionada em 0,5 ponto percentual o que evitaria a manutenção da alta da inflação". Já Tarso Genro, presidente do partido, acredita que é possível fazer uma transição negociada com os agentes econômicos, sem rupturas. Como Berzoini, defende a manutenção dos atuais fundamentos econômicos, mas acha que não é exagerado esperar que, a curto prazo, se possa discutir um superávit primário de 3,75%, que era a referência do Fundo Monetário Internacional (FMI). O ex-ministro avalia que o PT blindou em demasia o debate sobre a política de Palocci. Tarso sempre foi reconhecido como um crítico da política econômica. A novidade é Berzoini também começar a externar as críticas. Ex-ministro da Previdência e do Trabalho, o secretário-geral do PT diz que já existe uma cobrança do setor empresarial por uma flexibilização da economia. "Há uma divisão também entre os empresários. Uma parte, ligada à produção, quer mudanças de ritmo na economia. O atual Conselho Monetário Nacional é impermeável a boa parte do empresariado", diz o ex-ministro. "Se o PT quiser dar voz a mudanças que a sociedade pede, haverá ânimo em negociar com o presidente. Mas se Lula mantiver esse tipo de política econômica, vai ser difícil manter o apoio do PT à sua reeleição", diz. "O PT não vincula decisão do presidente da República, mas para arregimentar as forças, nós temos que ter mobilização partidária. Se não tiver, as chances de reeleição irão diminuir muito. O PT vai cobrar compromisso em relação à política econômica", avaliou o atual secretário geral do PT. Sob pressão dos atuais dirigentes, Palocci preparou um texto básico sobre a política econômica e o encaminhou à direção. Para a nova cúpula petista, no entanto, trata-se de um documento no mínimo insuficiente, que apenas delineia os números gerais da economia. Até a eleição interna do PT, marcada para 18 de setembro, no entanto, esse debate não deve esquentar além das escaramuças a cada reunião de uma instância partidária. Dependendo do resultado da eleição, poderá incendiar o partido. Muito embora José Dirceu tenha sido sempre um crítico da política econômica, ele apoiou Palocci em momentos cruciais, dentro do governo. Um exemplo disso foi o debate sobre o salário mínimo de 2004. Na reunião decisiva, quando Antonio Palocci estava isolado na defesa do valor de R$ 260, o presidente Lula optou pela proposta do ministro da Fazenda depois que ela foi firmemente defendida pelo então chefe da Casa Civil.