Título: Buratti guarda revelações para CPI dos Bingos
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 22/08/2005, Política, p. A8

Crise Parte do inquérito que trata de denúncias contra o ministro da Fazenda segue hoje para Brasília

O advogado e administrador de empresas Rogério Buratti não respondeu a tudo que lhe foi perguntado durante o interrogatório feito pelo Ministério Público de São Paulo e pela Polícia Civil na sexta-feira. Segundo o delegado seccional de Ribeirão Preto, Benedito Valencise, Buratti se recusou a detalhar quais as circunstâncias que envolveram o financiamento da campanha eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 por empresários de casas de bingo em São Paulo e no Rio de Janeiro. Também não quis falar sobre seu relacionamento com Jeane Mary Corner, que se auto-intitula como "promotora de eventos" em Brasília. Ambos os assuntos deverão ser tratados por Buratti em seu novo depoimento na CPI dos Bingos no Senado, segundo teria afirmado o administrador da empresa aos promotores e ao delegado." A impressão que tivemos é que ele deu um recado, um pequeno recado. Se o hostilizarem ou chutá-lo, ele está com a língua solta" comentou o promotor Luiz Henrique Passini Costa, que participou do interrogatório dado por Buratti usando o instrumento da "delação premiada". Toda a parte do inquérito de 21 volumes e 4,2 mil páginas sobre o esquema de fraudes em licitações ambientais na região referente ao ministro da Fazenda e ex-prefeito de Ribeirão Preto Antonio Palocci Filho segue hoje mesmo para o Supremo Tribunal Federal, em Brasília. Caberá ao STF atender ao pedido da CPI dos Bingos de fornecimento das informações. A investigação no plano estadual vai prosseguir para os outros prefeitos citados por Buratti: o sucessor de Palocci, Gilberto Maggioni e os prefeitos tucanos de Sertãozinho, Matão e Monte Alto. Como ministro, Palocci tem direito a foro privilegiado mesmo em relação a fatos ocorridos antes da sua atual condição. Em nota, o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, informou que solicitará hoje ao Ministério Público do Estado de São Paulo o depoimento de Buratti, no qual ele cita Palocci e eventuais documentos que se refiram ao ministro. De acordo com a assessoria, o procurador-geral esclarece que o Ministério Público "deve tratar suas investigações com discrição e responsabilidade, tendo como base as garantias constitucionais asseguradas a todos os cidadãos". Para Valencise e Passini, as evidências documentais contra Buratti e a empresa Leão Leão já eram consistentes antes mesmo do depoimento do administrador de empresas e a denúncia por formação de quadrilha deve ser apresentada ainda este mês. Para cada prefeito citado, com exceção de Palocci, será aberto um inquérito específico. Além dos novos depoimentos, será feito o cruzamento das notas fiscais recebidas pela empresa com os dados encontrados em uma planilha do ex-presidente da Leão Ambiental, Vilnei Barquete, que mostra supostos pagamentos de propinas a autoridades nos anos de 2003 e 2004. Conforme Buratti relatou, o possível suborno seria pago em dinheiro, contra a apresentação das notas. Procurada este fim de semana por este jornal, a Leão Leão desqualificou as declarações de Buratti, afirmando que "tudo o que existe é o depoimento de um suspeito interessado em um benefício legal". De acordo com Valencise, também serão investigadas as notas fiscais de 2001 e 2002, período em que Palocci esteve na prefeitura, mas qualquer dado que chame a atenção dos investigadores também será encaminhado ao STF. A planilha encontrada no computador de Barquete não retrocede a estes anos. As suspeitas levantadas por Buratti em relação à licitação de coleta de lixo feita pela então prefeita de São Paulo Marta Suplicy serão reunidas em um documento a ser enviado para o promotor público encarregado das investigações na capital. Em relação ao ministro, o que foi reunido no Ministério Público é de difícil comprovação. Buratti afirmou em seu depoimento que a suposta propina de R$ 50 mil mensais para a Prefeitura de Ribeirão Preto não era contabilizada. O dinheiro teria sido entregue em espécie para o falecido secretário de Fazenda de Palocci, Ralf Barquete, primo do ex-executivo da Leão Ambiental. Seria Barquete o encarregado de transferir os recursos para o Diretório Nacional do PT, e teria partido dele a informação de que Palocci tinha ciência do acerto. De acordo com o delegado, há poucas esperanças de traços de operações irregulares aparecerem nos dados bancários do falecido assessor do ministro. As circunstâncias em que ocorreu o depoimento também podem facilitar uma eventual defesa judicial do ministro ou da Leão Leão. Por não concordar com a delação premiada, o então advogado de Buratti, Roberto Telhada, abandonou o caso na sexta-feira e não acompanhou o interrogatório. Por cautela, Valencise e os promotores filmaram o depoimento e convocaram um outro advogado, não constituído por Buratti, como testemunha instrumentária. Ontem, o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Rodrigo Pinho, negou que tenha havido equívocos ou abuso do MP na divulgação do depoimento de Buratti. Ele defendeu os promotores que investigam o caso e disse que há farta prova documental que indica conluio entre empresas e prefeituras do interior, inclusive de servidores públicos de Ribeirão Preto, no período em que Palocci foi prefeito da cidade. A postura do Ministério Público de Ribeirão Preto também foi defendida pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP), ontem, em Barretos. O governador considera que não houve nenhum abuso. "A função do Ministério Público é justamente defender o interesse público. É preciso continuar as investigações com cautela e sem precipitações", disse. (Com agências noticiosas)