Título: Empresas têm lucros com a amizade entre Lula e Chávez
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 22/08/2005, Finanças, p. C3

Comércio exterior País vende, em 2004, US$ 1,46 bi para a Venezuela

As empresas brasileiras estão lucrando com as amistosas relações entre os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Venezuela, Hugo Chávez. Com uma política fiscal expansionista e o preço do petróleo nas alturas, o governo venezuelano investe em obras de infra-estrutura, promove programas de modernização agrícola e subsidia a compra de carros populares. As companhias brasileiras aproveitam as vantagens que Chávez oferece para a América Latina e os financiamentos concedidos pelo BNDES para quem exportar para a Venezuela e vendem de tudo: celulares, automóveis, tratores, autopeças, máquinas agrícolas, carne de frango. A Ford praticamente duplicou as exportações para os países da Comunidade Andina no primeiro semestre de 2005 em relação a igual período de 2004. Na comparação entre 2004 e 2003, a alta foi de 118%. A Venezuela responde por 80% dos embarques para a região. A Siemens começou a vender celulares para os venezuelanos em março de 2004. Com a ampliação da sua fábrica em Manaus, a empresa exportou US$ 100 milhões em celulares no primeiro semestre do ano, 5% do total para a Venezuela. A Kepler Weber e a John Deere vendem maquinário para os agricultores venezuelanos. E a Odebrecht executa cinco grandes obras de infra-estrutura no país. O Brasil reverteu um déficit anual médio de US$ 244,3 milhões com a Venezuela, na década de 90, em superávit de US$ 1,26 bilhão em 2004. As exportações brasileiras para o país caribenho atingiram US$ 1,46 bilhão no ano passado, com os produtos manufaturados respondendo por 88% do total. Na década de 90, o Brasil exportava, em média, US$ 542,2 milhões para a Venezuela por ano. Durante esse período, as importações de produtos venezuelanos pelo Brasil somaram US$ 768,6 bilhões/ano, em média. Caíram para apenas US$ 199,5 milhões em 2004. O país reduziu as compras de petróleo pesado da Venezuela. Com o aumento da produção interna, a Petrobras precisa de petróleo leve. O país é hoje o terceiro maior fornecedor de produtos para a Venezuela, atrás apenas dos parceiros tradicionais do país, Estados Unidos e Colômbia, segundo dados da Câmara Venezuelana Brasileira de Indústria e Comércio. O sinal do intercâmbio comercial entre os dois países começou a se inverter em 2001, dois anos depois de Chávez assumir a presidência. Com a desvalorização cambial em 1999, os produtos brasileiros ganharam competitividade no exterior e o país exportou US$ 1,1 bilhão para a Venezuela em 2001. Mas esse comércio sofreu um revés em 2002 e 2003, quando as exportações brasileiras somaram US$ 797 milhões e US$ 606 milhões, respectivamente. Nesse período, a Venezuela enfrentou uma grave crise política, com o golpe de Estado contra Hugo Chávez e com a greve da Petróleos da Venezuela (PDVSA). Os embarques voltaram a crescer em 2004, já no governo Lula. Nos primeiros sete meses deste ano, as exportações chegam a US$ 1,2 bilhão. No acumulado de 12 meses até julho, somam US$ 1,96 bilhão. Durante a crise, a Venezuela sofreu quedas do Produto Interno Bruto de 14%, em 2002, e 7,7%, em 2003. O país se recuperou em 2004 e a economia cresceu 17,9%. Para 2005, a previsão é 5,5%. Com os preços do petróleo em alta, a Venezuela tem folga para importar. O superávit em conta corrente do país ficou em 14,5% do PIB em 2004. Desde o início de 2004, o preço do barril de petróleo WTI já subiu 103,8% e fechou a US$ 65,79 na sexta-feira. O petróleo representa 85% das exportações da Venezuela, 15% do PIB e 50% dos gastos do governo. Segundo Benito Berber, economista para América Latina do HSBC, "há uma contaminação forte da economia da Venezuela quando os preços do petróleo estão em alta". A PDVSA consome mais serviços, emprega mais e o governo gasta com programas sociais. Chávez adotou uma política fiscal frouxa, e o gasto do governo cresce a um ritmo real (descontada a inflação) de 15% do PIB, segundo o HSBC. Com os recursos do petróleo, Chávez está investindo em diversos projetos de infra-estrutura: metrô, rodovias, usinas de energia elétrica. Alguns estão a cargo de construtoras brasileiras. "O governo da Venezuela estimula a integração da América Latina e analisa os projetos latino-americanos com mais carinho", afirma José Francisco Marcondes Neto, presidente da Câmara Venezuelana Brasileira. Ao realizar a obra, as construtoras brasileiras exportam bens e serviços do Brasil para a Venezuela, algumas vezes com crédito do BNDES. Segundo o banco, a carteira de projetos na Venezuela é de US$ 776 milhões. Desse total, já foram liberados US$ 202 milhões As obras mais vultuosas são duas linhas do metrô de Caracas, que estão sendo construídas pela Odebrecht, e a usina hidrelétrica de La Vueltosa, feita pela Alston. Chávez também concede incentivos fiscais para a compra de automóveis. As vendas mensais de veículos na Venezuela saíram de 5,3 mil unidades, em 2003, para 11 mil unidades, em 2004, e 15,4 mil, de janeiro a maio deste ano. Um programa beneficia os veículos populares e foi renovado esse ano. Se o automóvel estiver previamente incluído no programa, o governo elimina os impostos para o consumidor final, que somam 15%. A Venezuela incentiva a montagem dos automóveis no país, cobrando 35% de imposto de importação para veículos montados e apenas 3% para as autopeças, desde que adquiridas por montadoras que utilizam mais de 25% de conteúdo local em seus veículos. A filial brasileira da Ford praticamente duplicou suas exportações para a Comunidade Andina no primeiro semestre de 2005, ante igual período de 2004. Os embarques saltaram de US$ 44 milhões para US$ 87,5 milhões. A Venezuela representa 80% do mercado. Do total embarcado no primeiro semestre, US$ 70,8 milhões correspondem a veículos desmontados (CKD). "Em função da condição interna, os bens de consumo duráveis se tornaram capital seguro, investimento", diz Edson Molina, gerente-geral de logística da empresa. Na Venezuela, a Ford monta os carros Ka, Novo Fiesta e Ecosport, e caminhões da linha Cargo. Ka e Novo Fiesta estão incluídos no programa de carro popular do governo. Apesar do alto imposto de importação, a empresa também exporta o modelo Ecosport já montado para a Venezuela. Foram 381 unidades em 2003, 596 em 2004 e 1.293 no primeiro semestre deste ano. "Não estávamos conseguindo atender a demanda com a produção local", diz Molina. Berber, do HSBC, diz que há uma série de fatores macroeconômicos que explicam o vigor das importações venezuelanas, além da alta do petróleo. Por conta da instabilidade política do país, o investimento produtivo é baixo e não ultrapassa 20% do PIB. A matriz industrial do país é pouco diversificada. Além disso, Chávez decidiu facilitar as importações e adotou um sistema de câmbio fixo e apreciado, após a fuga de capitais e investimentos provocada pela crise. Com um retórica antiamericana, o presidente dá preferência aos produtos latino-americanos. Mas, para importar, os venezuelanos precisam retirar uma licença junto ao governo. Segundo Marcondes Neto, da Câmara de Comércio, as operações que tramitam dentro do convênio de crédito recíproco da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi) são liberadas mais rápido. "O Brasil é o país da América Latina que pode oferecer produtos de alta tecnologia para a Venezuela", diz Berber. Os celulares ganharam destaque na pauta de exportação brasileira para a Venezuela. Ocupam a primeira posição com 11,59% de participação, de janeiro a julho de 2004. A primeira exportação de celular da Siemens foi enviada a Venezuela em março de 2004, lembra o diretor de telecomunicações da empresa, Humberto Cagno. Ele explica que a Venezuela é o único país da América Latina que utiliza a mesma freqüência que o Brasil, logo o produto não precisa ser adaptado. Em 2004, as exportações totais de celulares da Siemens ficaram em US$ 6 milhões. A empresa focou esforços em atender o mercado interno. Depois de aumentar a produção, exportou US$ 100 milhões no primeiro semestre de 2005. Apesar do pioneirismo, a Venezuela é um mercado pequeno e representa apenas 5%, bem atrás de Argentina ou Chile.