Título: Depois da eleição, vem a muvuca
Autor: Maria Cristina Fernandes
Fonte: Valor Econômico, 29/10/2004, Política, p. A6

A segunda metade do governo Luiz Inácio Lula da Silva começa nesta segunda-feira. Para terminá-la em condições de ver renovado seu mandato, o presidente precisará ver superado o acirramento da disputa política nestas eleições provocado, em grande medida, por seu partido. Sem isso, o governo dificilmente conseguirá o consenso necessário à aprovação das medidas que dêem sustentação ao crescimento econômico, condição primeira da recondução de Lula ao Planalto. A primeira conseqüência do acirramento será colhida na frágil base de apoio do governo no Senado. As mágoas da bancada baiana pelo apoio petista ao candidato que deverá derrotar o carlismo em Salvador, dificilmente deixarão desguarnecidos os flancos que os governistas costumavam abrir na bancada pefelista. Sem a dissidência carlista, o PFL perde seu maior constrangimento e pode ganhar desenvoltura no Congresso. É da margem da coalizão governista, no entanto, que emerge um dos seus potenciais fatores de desestabilização. O notável desempenho do PPS, uma das legendas que mais cresceu em número de prefeituras e votos, eleva a estrela do presidente do partido, Roberto Freire, e ofusca a do ministro Ciro Gomes. O partido esmera-se em atrair egressos do governismo. Depois do ex-ministro das Comunicações do governo Lula, Miro Teixeira, volta-se para o senador Cristóvam Buarque (PT-DF). Se eleger José Fogaça em Porto Alegre, o PPS fortalece os pemedebistas gaúchos e, com eles, mais um foco de autonomia no PMDB. A aproximação entre o PPS e o PDT, partido de oposição que também sai maior do que entrou nas eleições municipais, não precisa resultar em fusão para ser motivo de preocupação para o governo. "O fortalecimento desses partidos de centro-esquerda intensifica o debate no Congresso", diz o cientista político e professor da Universidade de São Paulo, Brasílio Sallum Jr. "Esses partidos ganham força na proposição de alternativas ao que é colocado na mesa pelo governo". Somem-se os contenciosos na discussão da Parceira Público Privada (PPP), da autonomia do Banco Central e das reformas sindical e trabalhista, para ficar na lista mínima de projetos com os quais o governo pretende solucionar os gargalos da infra-estrutura e trazer de volta os investimentos estrangeiros em 2005 num cenário internacional provavelmente mais adverso pela alta do petróleo e uma diminuição global do crescimento. Já é suficiente para se prever o que a oposição chama de enriquecimento do debate e o governo, obstrução de pauta. Some-se a isso a volta aos dissensos internos das hostes petistas. Eleição é tempo de guerra para o PT, que se fecha em torno do condestável José Dirceu. "A disciplina partidária se enrijece na disputa. É natural que as divergências reapareçam", diz Sallum Jr. Passadas as eleições, o governo precisará de uma negociação mais branda que dê conta do turbilhão de insatisfações que emergem das urnas.

Vitoriosos e derrotados farão mais pressão

Os focos da artilharia no partido já se delineiam - a seção carioca, que ameaça uma catarse pelo pior desempenho de sua história; a cearense , provavelmente vitoriosa em sua queda de braço com a direção nacional; e a de Belo Horizonte, cujo prefeito reeleito, Fernando Pimentel, foi o primeiro a disparar contra o caráter excessivamente paulista do comando petista. Virão de Fernando Pimentel também, como o prefeito declarou à Maria Lúcia Delgado e Ivana Moreira, do Valor, fortes pressões por mudanças na Lei de Responsabilidade Fiscal que permitam aos municípios aumentarem sua capacidade de endividamento. Some-se a isso a ofensiva do futuro prefeito de São Paulo por mudanças no indexador da dívida. Essa pressão virá, seja qual for o resultado da eleição paulistana. Mas se o eleito for José Serra, a queda de braço com a Fazenda adquire uma feição mais política e com maiores consequências para 2006. Vinda do PSDB, a contestação à Lei de Responsabilidade Fiscal ameaça violar a paternidade do projeto que tanto orgulha o partido. Para responder à retomada dessas pressões, diz Sallum Jr., é natural que Antonio Palocci sobrepuje José Dirceu como guardião das hostes governamentais. A essas pressões sobre a Fazenda e o Banco Central, Alexandre Marinis, analista político do Crédit Suisse First Boston, soma a reforma ministerial, cujas negociações costumam tornar mais lentas as votações no Congresso. É natural que, nesta reforma ministerial, o PTB e o PL queiram avançar sobre o espaço pemedebista no governo. Os primeiros foram os aliados que mais cresceram, enquanto o PMDB, apesar de se manter como o partido com o maior número de prefeitos do país, foi a legenda que mais perdeu municípios e votos. Dessas injunções, não se queira atribuir a uma eleição destinada a avaliar os candidatos melhor equipados para oferecer um transporte melhor e mais barato para a população ou os melhores postos de saúde, a capacidade de ditar os rumos do país pelo próximo biênio. Mas, depois do freio de arrumação, os partidos fazem contas, somam votos e contam os seus efetivos. O que as urnas de segundo turno devem confirmar, lembra Marinis, é que em 2005 os partidos governistas terão 2/3 dos municípios. Essa vantagem numérica apenas se traduzirá em benesses políticas se a gestão Luiz Inácio Lula da Silva continuar oferecendo motivos para estes partidos continuarem governistas. É disso que viverão os políticos de domingo em diante.