Título: Ex-sócios respondem por dívidas de empresas
Autor: Alessandra Paz
Fonte: Valor Econômico, 22/08/2005, Legislação & Tributos, p. E1

Trabalhista Desconsideração de personalidade é cada vez mais usada

Recente decisão da Segunda Câmara do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Campinas trouxe à tona a polêmica questão sobre a desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho. Na ação mencionada, a vara do trabalho de Campo Limpo Paulista, São Paulo, determinou a execução de uma ex-sócia da empresa Fionda Indústria e Comércio, em razão do não pagamento de uma dívida trabalhista. A ex-sócia recorreu ao TRT e, no exame do recurso, o relator Eduardo Benedito de Oliveira Zanella constatou que a empresa executada foi desativada, não podendo assim, efetuar a quitação. A Segunda Câmara decidiu que se a empresa e os atuais sócios não têm bens para pagar a dívida, os sócios que se retiraram da sociedade devem quitá-la com bens pessoais. O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Vantuil Abdala, afirma que, às vezes, há uma interpretação rigorosa da lei. "Mas, em muitos caso que isso ocorreu, o TST deu provimento ao recurso do sócio", diz. Segundo o ministro, a Justiça do Trabalho foi pioneira em adotar o posicionamento da despersonalização. "O entendimento de que os bens dos sócios não se confundem com os bens da empresa já foi superado", diz. Vantuil afirma que a responsabilidade só pode ser atribuída ao sócio pelas dívidas da sociedade, quando houver abuso por parte da empresa ou ilegalidade. "Mesmo assim, a responsabilidade só deve recair sobre o sócio-dirigente", diz. Na prática, porém, não é isso o que tem sido relatado por especialistas. De acordo com a advogada Juliana Bracks Duarte, do Pinheiro Neto Advogados, a construção jurisprudencial dos últimos dois anos tem favorecido a responsabilização pessoal dos executivos sem fazer qualquer análise prévia do processo. "Entendo o caráter social da decisão, mas juridicamente é uma iniciativa muito perigosa". Marco Antônio Costa Sabino, advogado do Koury Lopes Advogados, lembra o caso de um amigo que tinha uma pequena participação societária em uma empresa até 1993. Dez anos depois de ter saído da sociedade, ele foi surpreendido com o bloqueio de suas contas. A Justiça havia condenado a empresa a quitar uma dívida trabalhista e todos as pessoas que constavam no contrato social da empresa foram executadas. O mesmo ocorreu com um cliente do advogado Luiz Rogério Sawaya, do Nunes Sawaya Advogados. Ele afirma que há 15 anos seu cliente, um executivo do setor financeiro, era sócio em uma empresa de embalagens em Barueri, quando resolveu vender suas quotas de participação. Cinco anos depois, ao retirar dinheiro para uma viagem internacional, o executivo foi informado pelo gerente do banco que suas contas estavam bloqueadas devido a uma série de reclamações trabalhistas. "Este é um instituto excepcional, disposto em leis específicas do nosso direito", diz Sabino. Ele cita os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, Código Civil e Código Tributário Nacional, entre outros, que expressamente apontam as hipóteses em que a desconsideração da personalidade jurídica pode ser aplicada. "O problema é que a Justiça do Trabalho, por analogia, usa esse instrumento sem verificar a existência ou não dos atos irregulares de gestão", afirma. Segundo o advogado e professor da USP, Nelson Mannrich, do Felsberg Advogados, como inexiste um dispositivo específico no direito trabalhista, os juízes fazem uma construção lógica que parte do princípio de que a atividade do empregado beneficia as empresas e indiretamente contribui para a construção do patrimônio do sócio. Pior, afirma Alexandre Pessoa, do Koury Lopes Advogados, no caso da inexistência de patrimônio da empresa, presume-se a fraude e o enriquecimento ilícito do sócio. "Há um ranço excessivamente protecionista", diz Mannrich. O presidente da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas, Osvaldo Sirota Rotband, no entanto, contesta esses argumentos. Para ele, a Justiça tem que dar efetividade à prestação jurisdicional. Rotband diz que se tornou prática comum entre os maus empregadores a admissão de laranjas para substituí-los. "Assim quando a empresa quebrava não havia como cobrar as dívidas", diz Rotband. A solução desse impasse só será resolvida com a criação de um procedimento que regule o instituto no processo. "Falta uma regra clara da desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho", diz Mannrich. Segundo ele, há um Projeto de Lei na Câmara (PL nº 4696/98) que impede a aplicação da analogia em casos que não há lei específica. "Essa seria uma forma de impedir os abusos que vem sendo cometidos pela Justiça trabalhista".