Título: Stiglitz critica Brasil e elogia Argentina
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 23/08/2005, Brasil, p. A3

Conjuntura Economista vencedor do Nobel em 2001 ataca nível dos juros reais e política fiscal do país

O economista Joseph Stiglitz criticou ontem a política econômica brasileira, atacando o nível dos juros reais e mostrando reservas em relação à política fiscal. Segundo ele, juros elevados criam um "círculo vicioso", por aumentar a necessidade de um governo já muito endividado tomar mais empréstimos, o que contribui para a manutenção das taxas na estratosfera e, com isso, afeta o crescimento. Prêmio Nobel de Economia em 2001, o professor da Universidade de Columbia não poupou elogios à estratégia adotada pela Argentina nos últimos anos, de não seguir o receituário do Fundo Monetário Internacional (FMI) e não cortejar os mercados internacionais. Stiglitz disse que o país vizinho está no caminho certo, mas evitou afirmar categoricamente que o Brasil está no rumo errado. "O júri ainda não decidiu", respondeu ele. Ao comentar a crise política, Stiglitz disse não haver motivo para que as turbulências atinjam economia, uma vez que houve nos últimos anos uma institucionalização da política econômica no país, ainda que a ortodoxia talvez tenha ido longe demais. Também interessa aos mercados, afirmou ele, a manutenção de um sentimento de estabilidade no Brasil. Mas, cauteloso, acrescentou que tudo pode mudar, dependendo dos desdobramentos dos escândalos. Stiglitz participou de evento em São Paulo promovido pelo Bladex - Banco Latino-Americano de Exportação. Segundo Stiglitz, quando assumiu o governo em 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha duas alternativas, ambas arriscadas. A primeira era adotar uma política ortodoxa, convencer os mercados dessa escolha e, ao longo do tempo, conseguir a queda dos juros. A segunda alternativa era adotar uma política mais agressiva, mudando o arcabouço da economia, para ficar menos dependente do capital externo. A opção de Lula, como se sabe, foi o caminho da ortodoxia. A questão é que ela não se traduziu até o momento numa redução significativa dos juros, notou Stiglitz. Ele reconheceu que a escolha era difícil, mas ponderou que, nas eleições do ano que vem, o "júri" pode avaliar que o governo se comportou bem, mas não fez o suficiente. Stiglitz afirmou que o nível dos juros reais no Brasil está relacionado ao regime de metas de inflação, especialmente ao fato de que os alvos perseguidos pelo Banco Central (BC) são muito ambiciosos. Para ele, outro problema é que a política monetária acaba sendo o único instrumento para o controle da inflação. Stiglitz avalia que há espaço para uma queda dos juros no curto prazo sem que isso provoque uma alta significativa dos preços. O que é importante, segundo ele, é usar outros mecanismos para combater a inflação, como restrições quantitativas ao volume de empréstimos, por exemplo. Outra possível estratégia seria apertar mais a política fiscal, lembrou Stiglitz, mas essa alternativa lhe parece inadequada, por implicar em cortes de gastos em áreas importantes, como educação e infra-estrutura. Stiglitz, ex-economista-chefe do Banco Mundial, disse ainda que o Brasil se beneficia de uma situação internacional favorável, principalmente devido à alta dos preços das commodities, das quais o país é um grande exportador. Se as cotações desse produtos estivessem mais baixas, o Brasil estaria numa situação menos positiva. Presente ao evento, o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, rebateu a visão de Stiglitz. Disse que o Brasil se beneficia, sim, da alta dos preços das commodities e do cenário externo róseo, mas ressaltou que o desempenho do país no comércio exterior se deve em grande parte ao aumento das exportações de manufaturados. Ele lembrou que o Brasil tem conquistado novos mercados e se mostra competitivo na exportação de produtos de alto valor agregado, como aviões. Acrescentou ainda que o país tem conseguido vender máquinas e equipamentos para países desenvolvidos, como os EUA. O ministro relatou que, após sua apresentação, conversou com Stiglitz: "Ele disse, que, se soubesse de todas as informações que eu dei aqui, talvez tivesse feito um discurso diferente." Stiglitz também fez críticas ao que considera a excessiva liberdade de que desfrutam os capitais internacionais por aqui. Crítico feroz das reformas liberalizantes propostas pelo Consenso de Washington, ele apontou a liberalização da conta de capitais como um dos problemas de países emergentes que seguiram o receituário liberal preconizado por instituições como o FMI. Num cenário de instabilidade política como o atual, o país que permite um livre fluxo de capitais fica exposto às percepções dos investidores sobre a economia. Ele disse, porém, que a economia não deve sofrer o impacto da turbulência política. Com a institucionalização ainda que exagerada de políticas voltadas à estabilidade, o Brasil tende a resistir aos problemas políticos, mesmo que haja mudanças de "nomes ou rostos" no governo. Ao mesmo tempo em que fez várias críticas ao Brasil, Stiglitz foi bastante generoso com a Argentina. Depois da crise de 2001, o país fez um programa de recuperação focado no setor real de sua economia, e não nos mercados internacionais, afirmou ele. "A visão da Argentina era de que se a economia se recuperasse, os mercados internacionais voltariam, e eles estavam certos." A postura na renegociação da dívida foi aplaudida por Stiglitz. O país insistiu numa reestruturação que levasse a uma redução substancial do endividamento, para evitar que um novo problema aparecesse em alguns anos, segundo ele. A Argentina foi bem sucedida nessa estratégia, notou Stiglitz, elogiando o fato de o país ter resistido às pressões do FMI e dos bancos privados. Para o ganhador do Nobel, outro ponto positivo é que a Argentina não corteja o capital especulativo, dando prioridade ao investimento no setor produtivo.