Título: Relator quer ouvir bancos no processo de Dirceu
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 23/08/2005, Política, p. A6

Crise Tarso Genro dá prazo para que Dirceu se afaste da disputa eleitoral interna do PT, caso contrário, ele se afasta

Dirigentes do BMG e do Banco Rural serão convidados pelo Conselho de Ética da Câmara a prestar esclarecimentos na próxima semana sobre contatos que tiveram com o deputado José Dirceu (PT-SP), ex-ministro da Casa Civil. O Conselho não tem poder de convocação, e espera contar com a disponibilidade de Kátia Rabello, presidente do Rural, e Flávio Guimarães, presidente da Brasfrigo e principal acionista do BMG, para que ambos esclareçam dúvidas dos parlamentares sobre os empréstimos concedidos ao PT. São indícios de suposto favorecimento dos bancos pelo governo e operações atípicas que podem fragilizar ainda mais a situação política de Dirceu, que protocolou ontem no Conselho sua defesa solicitando o arquivamento do processo de cassação. O relator do processo que pede a cassação de mandato de José Dirceu, deputado Júlio Delgado (PSB-MG), considera importante o esclarecimento dos bancos, sobretudo porque o ex-ministro alega, em relação aos empréstimos, "que não teve nenhuma participação, quer em relação à decisão de buscar recursos no mercado, quer no que diz respeito à concretização de tal decisão". Na defesa, Dirceu sustenta ainda que não prometeu favores aos bancos envolvidos, e que os diretores de tais instituições já negaram que ele tivesse conhecimento dos empréstimos. Ressalta também que Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, nunca lhe informou sobre os empréstimos. O ex-ministro só admitiu que "sabia genericamente que o PT estava com problemas financeiros e buscava empréstimos junto a bancos". O que mais provoca questionamentos entre os parlamentares é o repentino e significativo crescimento dos lucros do BMG após conquistar a liderança do mercado de crédito consignado com desconto em folha. Além disso, as informações dos ministérios da Previdência e do Planejamento sobre as datas em que o BMG fechou convênio com o INSS para oferecer o crédito aos aposentados são desencontradas. Na Previdência, consta que o convênio foi fechado em 26/08/2004. No Planejamento, a data é 20/05/2004. O BMG foi a primeira instituição financeira a atuar no mercado de crédito consignado. Detém, hoje, 43% da carteira. A Caixa Econômica Federal, segunda no ranking, fechou um acordo recente com o BMG para compra futura de créditos consignados, um negócio de R$ 2,9 bilhões. Foi em 2003, com a aprovação da Medida Provisória 130/2003 - que mais tarde, em 17 de dezembro, virou Lei 10.820/2003 - , que o governou autorizou aos empregados regidos pela CLT "o desconto em folha de pagamento dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil". Os deputados se recordam que durante a tramitação da MP, o ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil Waldomiro Diniz, braço direito de Dirceu, era o principal articulador do governo no Congresso, e trabalhou por sua aprovação. Torna ainda mais delicada a situação de Dirceu o fato de o BMG ter contratado, em novembro de 2003, a sua ex-mulher Maria Ângela Saragoça como funcionária do setor de Recursos Humanos. Houve, ainda, um encontro de Flávio Guimarães em fevereiro de 2003 com Dirceu, no gabinete da Casa Civil. A direção do banco disse que, na ocasião, o ministro foi informado sobre investimentos da instituição e convidado a participar da inauguração da Brasfrigo em Luiziânia (GO). No caso do Banco Rural, também houve um encontro de dirigentes com Dirceu, em Belo Horizonte. O Rural informou que dirigentes discutiram com o então ministro em jantar a liquidação extrajudicial do Banco Mercantil de Pernambuco. Em depoimento à CPI Mista dos Correios, o publicitário Duda Mendonça confessou ter recebido recursos do PT no exterior. Nas contas de Duda foram feitos depósitos pela Trade Link Bank, braço do Rural no exterior. Outro fato volta à baila: na CPI do Banestado, que investigava evasão de divisas, o Rural foi poupado pelo relator, o deputado José Mentor (PT-SP). Mentor é ligado a Dirceu. Se os fatos levantarem suspeitas de que José Dirceu possa ter atuado no governo para favorecer ou poupar os bancos de punições, a cassação ficaria mais próxima. Em sua defesa, Dirceu voltou a repetir a tese de que "a quebra do decoro exige que o ato seja praticado no exercício do mandato parlamentar", e lembra que, na época, era ministro. Para o relator do processo, essa tese já foi derrubada pela Consultoria Jurídica da Câmara. Dirceu arrolou como suas testemunhas de defesa ministros e ex-ministros - Márcio Thomaz Bastos, Aldo Rebelo, e Eduardo Campos -, o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP); e o jornalista Fernando Morais. Ontem, o presidente do PT, Tarso Genro, deu prazo até amanhã para que o deputado José Dirceu decida se afastar da disputa eleitoral interna do partido. Caso contrário, Tarso disse que desistirá de concorrer à presidência do partido na eleição marcada para o mês que vem. (Com agências noticiosas)