Título: Inquérito ficará pronto em 20 dias
Autor: Goulart, Guilherme
Fonte: Correio Braziliense, 15/04/2010, Cidades, p. 38

Polícia goiana espera laudos da Polícia Federal e não descarta a possibilidade de fazer uma reconstituição dos homicídios antes de concluir as investigações do caso

Goiânia (GO) ¿ A Polícia Civil de Goiás encerrará o inquérito responsável pela investigação das mortes de seis jovens de Luziânia (GO) em 20 dias. O prazo leva em conta a conclusão dos laudos técnicos nos corpos das vítimas, a descrição minuciosa do perfil do pedreiro Ademar de Jesus Silva e uma possível reconstituição dos crimes cometidos entre 30 de dezembro e 22 de janeiro. Depois disso, o assassino confesso dos garotos de 13 a 19 anos deve ser indiciado por homicídio, estupro, ocultação de cadáver e furto ¿ os quatro delitos valeriam para cada jovem e renderia mais de 300 anos de prisão.

A fase final de apuração foi discutida ontem pela manhã durante a CPI da Pedofilia da Assembleia Legislativa de Goiás. O delegado-adjunto da 1ª Delegacia Regional de Goiânia, Juracy José Pereira, também responsável pelo inquérito do caso, disse que a definição das três pendências servirá para embasar a tendência por um indiciamento por assassinato. Caso isso ocorra e o Ministério Público de Goiás concorde com a polícia, o futuro do acusado será definido por um júri popular. Ele está detido na Delegacia Estadual de Repressão a Narcóticos (Denarc), em Goiânia (GO), desde o último sábado.

Segundo o delegado, os exames cadavéricos pela Polícia Federal devem ser os últimos passos a serem concluídos ¿ ficarão prontos em no máximo 13 dias. Mas os outros dois pontos serão encaminhados logo. É certo, por exemplo, que uma equipe da Polícia Civil de Goiás irá à Bahia até amanhã. ¿Queremos traçar um perfil detalhado do acusado¿, revelou Pereira. As informações levantadas no interior baiano também serão usadas para estudo policial, como indicou na última terça-feira ao Correio o delegado-geral da Polícia Civil de Goiás, Aredes Pires.

Quanto à reconstituição dos homicídios, os delegados goianos tratam do assunto com cautela. Tanto Pires quanto Pereira acreditam que a volta de Ademar ao local pode preencher lacunas. Mas temem mais exposição do pedreiro, além de preverem dificuldades na organização da simulação realizada em parceria com a Polícia Federal. ¿Seria a chance de termos o dia, a hora e o local dos crimes. Se fosse um criminoso comum, e não um psicopata, (1)seria mais fácil¿, explicou Pires.

Análise geral

O delegado Pereira também aproveitou a CPI da Pedofilia goiana para fazer uma análise geral da investigação e do crime. Para ele, houve uma falha completa no sistema de políticas públicas, inclusive da polícia e dos moradores do bairro de Luziânia. ¿A polícia também trabalha com informação da população. Faltou interação¿, avaliou.

Além do delegado Juracy Pereira e dos parlamentares envolvidos na CPI da Pedofilia da Assembleia Legislativa de Goiás, participaram das discussões juízes, policiais rodoviários federais, promotores e representantes da Secretaria Estadual de Saúde, do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente e do Conselho Regional de Psicologia. O promotor Everaldo Sebastião de Sousa, coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude do Ministério Público, revelou que os casos de pedofilia aumentaram em 20% nos últimos dois anos em Goiás.

Segundo ele, o caso Ademar deixou em evidência os erros das políticas públicas em relação ao problema. ¿Este caso de Luziânia aponta a falha de todo o sistema penitenciário, do Judiciário e, o pior, do sistema de proteção à criança e aos adolescentes¿, apontou. Para ele, faltaram elementos para que o Estado barrasse o convívio social do pedófilo.

1 - Sádico e perverso O pedreiro passou por um exame criminológico na época em que cumpriu pena por crime sexual contra dois adolescentes de Brasília. O exame detectou ¿indícios sérios que favorecem à prática de delitos sexuais. Sinais de sadismo, uma perversão sexual em que a busca de prazer se efetua através do sofrimento do outro. Sinais de transtornos psicopatológicos também se fizeram presentes¿.

Cobrança de explicações

Ariadne Sakkis

O Congresso Nacional quer esclarecimentos sobre as circunstâncias da concessão de liberdade a Ademar de Jesus Silva. Ontem, as CPIs da Pedofilia, do Senado, e dos Desaparecidos, da Câmara, convocaram o juiz Luiz Carlos Miranda, que concedeu a liberdade ao pedreiro; a psiquiatra Ana Cláudia Sampaio, autora do laudo que não constatou desvios de conduta do acusado; e a promotora Maria José Miranda, que alertou o juiz Luiz Carlos, em bilhete escrito à mão, sobre a necessidade de monitoramento constante de Ademar, dado o histórico de violência sexual contra crianças. Os depoimentos devem acontecer na semana que vem.

Os parlamentares querem saber por que Luiz Carlos de Miranda, juiz da Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, concedeu, em 18 de dezembro de 2009, progressão de pena para regime aberto a Ademar ¿ detido em 2005 e condenado a 15 anos de prisão por pedofilia. O magistrado considerou à época que o pedreiro cumprira o tempo necessário para obter o benefício. ¿O juiz jogou laudos psiquiátricos no lixo. A conduta dele não configura um simples erro. As consequências foram desastrosas¿, afirma o senador Demostenes Torres (DEM-GO), membro da CPI e presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ).

Demostenes Torres defendeu ontem a imediata abertura de investigação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para saber as circunstâncias que levaram à libertação do pedreiro. Esta semana, integrantes da CPI do Senado, da qual Demostenes também faz parte, ouviram Ademar em Goiânia.

Hoje, às 10h, o caso será debatido em audiência pública na CCJ do Senado. Participam da sessão o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, e o delegado da Polícia Federal Wesley Almeida, que chefiou, ao lado de Josuemar Vaz de Oliveira, as investigações sobre o desaparecimento dos jovens. As mães devem pedir a transferência de Ademar para a Superintendência da PF em Brasília e que ele seja julgado por um tribunal do DF.

Monitoramento

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes(1), disse ontem que a Justiça Criminal no país é desestruturada e precisa passar por uma profunda reforma administrativa para que não haja mais casos como o do ex-presidiário Ademar de Jesus. Ele defendeu ainda que, em situações de crimes sexuais, haja o monitoramento eletrônico do preso e o acompanhamento psicológico por uma equipe multidisciplinar. ¿Essas pessoas precisam de acompanhamento¿, disse ao participar, no Senado, de audiência na CCJ.

Gilmar Mendes afirmou que a Justiça precisa assumir a responsabilidade que tem nesse crime e começar a discutir, de fato, formas de evitar que casos semelhantes aconteçam. Mas disse que o fim da progressão do regime não é previsto em lei. Ele lembrou que, mesmo o exame criminológico não sendo mais obrigatório, ainda cabe ao juiz determiná-lo em caso de necessidade. ¿A decisão do legislador foi suprimir, mas, o exame continua uma faculdade do juiz¿, disse, evitando comentar se o juiz que concedeu a progressão de regime a Ademar merecia alguma punição.

1 - Pedido O presidente da Associação dos Magistrados do DF e Territórios (Amagis), Juiz Aiston Henrique de Sousa, pediu, ontem, a Gilmar Mendes, que apoie a independência funcional da magistratura. Sousa demonstrou preocupação com a CPI da Pedofilia do Senado, que vai convocar magistrados para prestar depoimento.

Devassa na vida do pedreiro

Ary Filgueira

As polícias Civil de Goiás e Federal farão uma verdadeira devassa na vida pregressa de Ademar de Jesus Silva, 40 anos, que confessou ter abusado sexualmente e matado seis jovens em Luziânia. O criminoso chegou a apontar o local exato onde os corpos estavam enterrados. As ossadas foram retiradas de uma fazenda em Luziânia no domingo último. Estavam em uma fazenda a 2km de distância da entrada do município goiano. O local é de difícil acesso e de mata fechada.

Na semana que vem, as duas corporações, que trabalharam na investigação do caso que chocou o país, dividirão equipes que viajarão para cinco localidades onde o acusado esteve antes de se mudar para o Parque Estrela Dalva 4, em Luziânia. Uma fonte ouvida pelo Correio disse que a ideia é percorrer os locais onde Ademar esteve antes de cometer os crimes no município goiano para saber como ele agia. Em alguns desses locais, como Serra Dourada (BA), o pedreiro chegou a morar. Os nomes das localidades por onde ele passou foram obtidos foram obtidos pela polícia com os próprios parentes do pedreiro.

Os caminhos

As equipes também visitarão outras duas cidades baianas: Riachão e Santana, ambas no oeste do estado. Ainda foram incluídas na lista, os municípios paulistas de Campinas e Perdizes (veja arte acima). Este último lugar, Ademar esteve apenas visitando um irmão, que lá reside com outros parentes. A operação policial tem como objetivo saber se há casos de desaparecimento nessas cinco cidades. Após isso, eles vão investigar se o pedreiro Ademar de Jesus tem alguma relação com os possíveis sumiços.

Por enquanto, a polícia já sabe que Ademar tem um mandado de prisão preventiva por tentativa de homicídio ocorrido em sua cidade natal: Serra Dourada. Ele fugiu para Brasília e tirou nova identidade com outro nome parecido (Adimar em vez de Ademar). Aqui no DF, foi condenado por abusar de dois meninos e acabou preso, em 2005. A polícia acredita na possibilidade de ele ter deixado outros rastros de violência por onde andou em virtude do quadro mental do acusado.