Título: Projeto amplia controle sobre lavagem
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 23/08/2005, Especial/Valor 1000, p. A14

Crise Texto que o governo pretende enviar ao Congresso prevê punição a quem usar dinheiro de Caixa 2

Consultores, corretores de imóveis, gerentes de banco e outros profissionais que tiverem notícia de grandes movimentações de dinheiro de clientes e não comunicarem às autoridades poderão ser processados por crime de lavagem de dinheiro, segundo o projeto de lei que o governo pretende enviar ainda neste ano ao Congresso. Pelo projeto, também estará sujeito à reclusão de três a dez anos quem usar em atividade econômica ou financeira mercadorias, dinheiro ou direitos "que sabe ou deveria saber" serem resultado de alguma infração penal. Nessa categoria poderiam ser punidos, por exemplo, políticos flagrados no uso de dinheiro "não contabilizado", o chamado caixa 2. "Nossa idéia é dar mais responsabilidade a quem, se estiver de boa fé, deveria ter percebido a origem ilícita do dinheiro com que está lidando", explica a secretária Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, Cláudia Chagas. O projeto amplia a lista das instituições e profissionais obrigados a comunicar ao Conselho de Controle de Análises Financeiras (Coaf) movimentações suspeitas de dinheiro, para incluir até pessoas e empresas que comercializem bens de grande valor no meio rural (como boi gordo e cavalos). Foram incluídas empresas de transporte e guarda de valores, como as que foram usadas pelo publicitário Marcos Valério para transportar dinheiro sacado de suas contas e destinado a políticos. Se aprovada a lista do projeto a ser enviado ao Congresso, terão de comunicar ao Coaf movimentações de bens, valores ou direitos acima de R$ 100 mil os corretores de imóveis, representantes de estrangeiros no país, empresas de leasing, comerciantes de jóias e objetos de arte e de qualquer objeto de grande valor. O mesmo valerá para pessoas que promovam ou participem de negociação de direitos de transferência de atletas, artistas e feiras e exposições. O projeto de lei também inclui pessoas ou empresas que prestem, mesmo eventualmente, "serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência" em operações com imóveis ou firmas, gestão de ativos, abertura de contas financeiras, negociação de contratos de esportistas ou artistas, e criação, gestão ou exploração de empresas. "Há profissionais que estão trabalhando de fato, mas não se preocupam em saber a origem do dinheiro dos clientes", comenta Cláudia Chagas. Com a nova lei, seriam culpados de crime de lavagem de dinheiro os que não comunicassem negócios como a compra de imóveis de alto valor, com dinheiro vivo, ou consultores contratados para abertura de uma empresa em algum paraíso fiscal para aplicação de grande quantia de moeda estrangeira, exemplifica a secretária. Hoje, para ser acusada de lavagem de dinheiro, uma pessoa ou empresa tem de ter cometido, antes, um dos chamados "crimes antecedentes", como tráfico de drogas ou armas, terrorismo, corrupção, extorsão mediante seqüestro ou crime contra o sistema financeiro. Uma das principais inovações da lei é a eliminação dessa lista, e a simplifica, classificando como crime de lavagem de dinheiro o ocultamento da existência ou da origem de bens, direitos ou valores obtidos com a prática de algum ilícito penal. Estão nessa categoria os crimes eleitorais e roubos de carga, por exemplo. O objetivo é alcançar setores não regulados, onde policiais e o Ministério Público tem constatado o uso por esquemas criminosos, informa Carla Chagas. Os bancos e seus gerentes, hoje sujeitos a sanções apenas administrativas, do Banco Central, também estarão sujeitos a responsabilização criminal. Só assim, acreditam os técnicos, será possível encerrar a prática de bancos como o Banco Rural, repetidamente envolvidos em denúncias de irregularidades. Também se pensa impedir assim a facilidade que criminosos como o ex-fiscal da Receita Rodrigo Silveirinha, mesmo presos, conseguiram sacar dinheiro de suas contas bancárias. A lei facilitará o trabalho dos organismos de repressão do governo, que hoje dependem da boa vontade das instituições financeiras. Foi graças à denúncia dos gerentes das contas da ex-fiscal da Previdência, Jorgina de Freitas, que o Ministério Público e a Coaf conseguiram impedir uma tentativa de sacar parte do dinheiro de origem suspeita mantido em uma conta desconhecida pelas autoridades. A conta foi bloqueada, conta Cláudia Chagas. Com o endurecimento da legislação, o governo transfere definitivamente o combate da lavagem de dinheiro, do terreno das finanças nacionais para o da política criminal. "Essas organizações do crime são como empresas, substituem facilmente as pessoas", argumenta Chagas. "Precisamos inviabilizar os recursos para que não prossigam."