Título: Brasileiros anônimos vão pensar o país
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 25/08/2005, Brasil, p. A3

Diversidade Instituto DNA Brasil reúne 50 pessoas que refletem o perfil sócio-econômico da população de Norte a Sul

"O poder dói muito", diz a gaúcha Lucia Castencio, casada, 38 anos, mãe de quatro filhos, ensino médio incompleto, moradora da periferia de Porto Alegre. Ela fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas também de si, líder comunitária, presidente do clube de mães do Jardim Cascata, sua região, e também do conselho municipal da criança e do adolescente. Lúcia reconhece que anda em uma linha tênue e é preciso ter cuidado para não se corromper. Ela relata que algumas pessoas a tratam diferente depois que assumiu o cargo no conselho. "Você pode ficar um pouco cego e não conseguir controlar os seus parceiros", diz. "É difícil para a elite aceitar que o trabalhador chegue a algum lugar. Eles dizem: Quem é a Lúcia? Ela não tem formação técnica", continua. "O Lula é como eu. E o Lula está sofrendo muito". Lucia é uma entre os 50 brasileiros que estarão reunidos de sexta até domingo no Colégio Pio XI, no bairro do Alto da Lapa em São Paulo, dispostos a pensar o Brasil. O encontro dos brasileiros "reais" foi organizado pelo Instituto DNA Brasil. É a mesma instituição que organizou um encontro de brasileiros "ilustres" no ano passado, em Campos do Jordão, com o mesmo objetivo de discutir o país. Aquele encontro reuniu nomes díspares como João Pedro Stédile, do Movimento dos Sem Terra, Luiz Hafers, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Horácio Piva, então presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), e Luiz Marinho, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) na época, hoje ministro do Trabalho. O instituto pretende repetir a dose em outubro com mais um encontro na serra paulista. Mas antes decidiu ouvir os brasileiros "reais" para que eles digam aos formadores de opinião quais políticas desejam para o Brasil. O encontro custará R$ 400 mil, metade dos R$ 800 mil previstos para seus compatriotas "ilustres" daqui há dois meses. Segundo Caio Túlio Costa, presidente-executivo do Instituto DNA Brasil, o mais difícil foi encontrar a pessoa exata que se encaixa em cada perfil da matriz do IBGE. Depois de meses de procura, os participantes são um micro reflexo do Brasil: 52% são mulheres, 48% são homens, 6% do Norte, 42% do Sudeste, 14% tem entre 10 e 19 anos, 20% estão com mais de 50. Eles estão ansiosos por debater e querem discutir tudo: trabalho, educação, meio-ambiente, exclusão social e, principalmente, política. Discutir a crise política não é o objetivo do evento. Mas ela transborda quando estes brasileiros começam a falar, pois foram encontrados com ajuda de Organizações Não-Governamentais (ONGs) e estão ligados a movimentos sociais, tradicional base de apoio a Lula. Talvez eles não reflitam a opinião do "Brasil real" sobre a crise, mas ajudam a entender como ela impactou a imagem do presidente no seu eleitor mais aguerrido. E também a trazer à tona o que pensa - e propõe - um Brasil pouco ouvido. Joana D'arc da Silva Pereira não tem vergonha de dizer que foi alcoólatra, nem que deixou a bebida quando se tornou evangélica. Com a autoridade de quem tem 49 anos e nove filhos, a mineira de Ribeirão das Neves, cidade próxima a Belo Horizonte, lidera a ONG "Mulheres em Ação" e está especialmente preocupada com a situação da criança e do adolescente. Joana diz que veio a São Paulo para aprender e passar para a frente. Ela não duvida que há corrupção na política, mas diz que "aquele que nunca pecou atire a primeira pedra". E repete a tese de Lúcia: "O mundo é engraçado. Ninguém pode subir. Lá onde eu moro também é assim. Você sobe um pouco e já querem te ridicularizar". Marizete Teles, 77 anos, viúva, vive em Belo Horizonte e diz que nunca acreditou em Lula. Professora aposentada, quer debater a educação e a situação do idoso. "A educação é a base de tudo", afirma a intrépida senhora. Dona Marizete se define como "muito politiqueira" e conta com orgulho das pessoas para quem conseguiu emprego conversando com amigos na prefeitura. Mas diz que só dá seu voto consciente e por isso o anulou na última eleição. Ela defende que Lula sabia da corrupção, porque como presidente da associação de seu bairro ela sabe de tudo o que acontece. Mas não quer um impeachment. Com a audácia dos 17 anos, o gaúcho Marcelo da Silva, que sonha ser psicólogo, surpreende ao afirmar sem ser questionado que "Lula vai ser reeleito, porque o povo gosta dele". Ele diz que o presidente está sendo enganado "pelo pessoal do José Dirceu" (ex-ministro da Casa Civil). "Saber, o Lula sabia, mas não tinha a proporção do que estava acontecendo. Ele quis ser direto presidente, não teve experiência", diz o adolescente. Marcelo integra o conselho de jovens de Alvorada, cidade mais violenta da grande Porto Alegre. Diz que se interessa por temas como meio-ambiente e religião, mas também quer discutir política "por causa desse rolo todo". Ele acredita que "se fosse outro no lugar do Lula, iam abafar e não saberíamos o que estava acontecendo". Experiente militante desde o início do MST em 1986, o lavrador baiano Gildásio Paim, que vive em um assentamento em Pinheiros, Espírito Santo, também concorda que "toda essa corrupção é real", mas desconfia do "porque veio estourar justamente agora". Mais do que política, Paim quer discutir a exclusão social e "começar a entender porque o país não dá certo". Cético e menos falante que os outros, ele vaticina que Lula não se reelege e vai demorar 25, 30 anos para o PT se reerguer. Mas com um brilho no olhar que apequena seus interlocutores garante que não perde a esperança. "A única solução é a consciência do povo. Esperar por político não dá em nada".