Título: Dados da CPI contradizem Palocci
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 25/08/2005, Política, p. A5

Crise Sigilo telefônico revela 18 telefonemas de Buratti para ministro em 2003

Novos dados obtidos pela CPI dos Bingos revelam que o advogado Rogério Buratti telefonou pelo menos 18 vezes para o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, tanto no celular quanto no número da sua residência, entre janeiro e agosto de 2003. Apontam também que Buratti fez pelo menos outras 20 ligações para os ramais utilizados no ministério por Juscelino Dourado, chefe de gabinete de Palocci - inclusive em datas próximas à renovação do milionário contrato da Gtech com a Caixa Econômica Federal. Essas descobertas contradizem as declarações do ministro, em entrevista concedida no domingo passado e em nota oficial distribuída à imprensa há duas semanas. Na entrevista, Palocci admitiu que pode ter conversado por telefone algumas vezes com Buratti, seu ex-assessor na prefeitura de Ribeirão Preto, mas não lembrava do assunto. Na nota oficial, ele afirmou que os "dois ou três telefonemas" de Buratti para a sua casa em Brasília foram "provavelmente tentativas de contato que não prosperaram". Grampos telefônicos em posse da CPI, feitos com autorização judicial, aumentam ainda mais as suspeitas sobre a atuação de Buratti em Brasília. Uma gravação à qual o Valor teve acesso mostra que o ex-assessor de Palocci recebeu uma ligação, às 9h15 do dia 9 de agosto de 2004, uma segunda-feira, de alguém identificado como "Carlo". São apenas 29 segundos de conversa, suficientes para levantar desconfiança. Ao atender o telefonema e dar-se conta de que falava com Carlo, Buratti desculpa-se por não ter retornado um recado deixado dois dias antes na caixa postal do seu celular. "Eu peguei um recado seu no sábado, né? Aí era Dia dos Pais e eu não pude [retornar]...". Carlo diz que tudo bem e logo entra no assunto que o interessa: "Seguinte: a reunião lá na Serpro foi o maior sucesso, né?! Porque aí descobrimos...". Nesse exato momento, Buratti interrompe subitamente o diálogo e pede: "Espera aí. Deixa que eu te ligo de outro telefone". A conversa acaba. Tudo indica que Buratti suspeitava que estava sendo grampeado nas investigações conduzidas pelo Ministério Público paulista. Ele só usava expressões como "ele", "o cara" e "o gordo" para referir-se a funcionários supostamente de alto escalão no governo. A CPI acredita que, quando mencionou Serpro, Buratti pode ter tratado de uma reunião na empresa governamental de prestação de serviços em tecnologia de informação. A primeira vinculação feita pela CPI foi com o diretor-superintendente do Serpro, Donizetti Rosa, também ex-secretário de Palocci em Ribeirão Preto. A assessoria de imprensa do Serpro lembrou, porém, que Rosa assumiu o cargo apenas em maio de 2005 e detalhes da conversa indicam que Buratti pode não ter tratado da empresa - chamada comumente de "o Serpro", a reunião teria ocorrido "na" Serpro, segundo a conversa grampeada. De qualquer forma, a informação deverá fazer parte do questionamento que os parlamentares farão a Buratti no novo depoimento que ele prestará hoje à CPI dos Bingos, a partir das 11h30. O ex-assessor de Palocci chegou a enviar um atestado médico que comprovaria sua "debilidade física e mental" para depor, mas recuou apenas duas horas depois, confirmando por volta das 16h40 de ontem que iria à CPI nesta quinta-feira. A comissão cogitou mandar uma junta médica para examiná-lo. O advogado de Buratti, Roberto Telhada, revelou a parlamentares da CPI que o seu cliente tem informações novas. Disse especificamente que ele sabe a origem e o destino de R$ 5,098 milhões depositados pela Gtech na consultoria jurídica MM, que tem como sócios os advogados Walter dos Santos Neto e Marcelo Aguiar - este último trabalhou em 2003 e 2004 na Secom da Presidência da República. A CPI desconfia que a empresa é "laranja". Segundo reportagem do site da revista "Veja", houve 18 ligações de Buratti a Palocci, que totalizam 42 minutos. As chamadas mais longas duraram quase 15 minutos. Em 24 de janeiro de 2003, eles se falaram seis vezes. Às 13h36, Buratti ligou para a casa do antigo chefe e falou 1 minuto e 38 segundos. Logo em seguida, às 13h39, ligou para o celular de Palocci. Eles conversaram por 14 minutos e 49 segundos. A última delas, feita às 21h27, durou só 13 segundos. Palocci não estava em Brasília na ocasião. Deveria ter ido para o Fórum de Davos, mas adiou a viagem para cumprir agenda em Porto Alegre: almoçou com 300 empresários na Federasul, reuniu-se depois com uma parte deles a portas fechadas e teve uma audiência com o governador gaúcho Germano Rigotto, voltando a Brasília no final do dia. Novas ligações ocorreram no dia 29 de janeiro, 3 de julho, 7 de julho , 22 de julho, 30 de julho, 6 de agosto , 18 de agosto e 30 de agosto de 2003. Em todas estas ocasiões Palocci estava em Brasília. A assessoria da Fazenda disse que o número do celular informado pela "Veja" é de Ademirson Ariovaldo da Silva, assessor especial de Palocci, desde o período de transição do governo. Os dados referem-se apenas a ligações usando código da Intelig. Buratti ligou outras 20 vezes para o gabinete de Juscelino Dourado. A CPI ressalta que não há nada que prove que essas ligações não foram transferidas, em algum momento, ao próprio Palocci. A maioria dos contatos durou entre quatro e sete minutos. Buratti e Dourado se falaram pelo menos cinco vezes no período entre fevereiro e abril de 2003. O contrato da Gtech com a Caixa, de R$ 650 milhões, foi renovado em 8 de abril. Buratti é acusado de tentar extorquir a empresa em R$ 6 milhões.(Colaborou César Felício, de São Paulo)