Título: Gosto de sangue, jagunços à solta
Autor: Wanderley Guilherme dos Santos
Fonte: Valor Econômico, 25/08/2005, Política, p. A8

O PSDB paulista, partido do golpe, conseguiu restabelecer a incomensurabilidade política entre forças populares de um lado e letrados de outro, responsável pelos desatinos do período pré-64. Ajudado pelo PT paulista, sem dúvida, pois ambos levaram para o plano nacional a truculência característica da política de São Paulo. Há quase doze anos a arena está ocupada pela confrontação entre os dois grupos, e que só não foi mais devastadora porque durante os oito anos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso as oposições, lideradas pelo PT, eram numericamente frágeis, incapazes de converter a radicalidade parlamentar em agressividade institucional. Com o PSDB golpista forte e na oposição, bastou a primeira oportunidade para que a política tucana, ao contrário de se dedicar à depuração das estruturas oligárquicas do Estado brasileiro, passasse a buscar a desmoralização do presidente Luiz Inácio e a destruição do Partido dos Trabalhadores. Hoje, são dois os centros soberanos de poder: a Presidência da República, ainda controlada pelo PT paulista, e as Comissões de Inquérito, sob absoluto controle ideológico do tucanato de São Paulo, apoiado em seus laranjas parlamentares e no eixo do mal do negócio das comunicações. O Estado brasileiro, cujas vísceras apodrecidas são agora expostas como metonímia da atividade política, é uma criatura da oligarquia brasileira, sob a liderança de seu mais ilustre membro, Getulio Vargas. Foi constituído para assessorar a acumulação capitalista no país e assegurar a incorporação controlada das massas urbanas à vida social. A prática da corrupção e do clientelismo localizados foi instituída por essa oligarquia, através desse Estado, como mecanismo de resolução dos conflitos intra-classe empresarial. Não eram os trabalhadores os corruptores das burocracias do DNOCS, do DNER, da LBA, do IAA e outras siglas clássicas do segmento corrompido do Estado. Corruptores eram os empreiteiros, os latifundiários e os industriais que, até hoje, agora pastoreados pela alta finança, continuam a servir-se do mecanismo para resolver suas pendências. A primeira dificuldade de um governo de base popular, ao iniciar políticas cujos alvos são os setores sociais carentes, consiste na ausência de estruturas para operar essas políticas. Não estando o Estado brasileiro aparelhado para executar políticas sociais em larga escala, o governo devia, antes de tudo, domesticar as velhas estruturas, cujo telos existencial é arbitrar, mediante pecúnia ilícita, interesses empresariais em competição. Ao que está claro, membros do segundo ou terceiro escalão do governo, associados a dirigentes do PT, foram capturados pela tradição oligárquica do compadrio de fortunas.

A corrupção como mediadora de conflitos

Em feliz acidente de percurso, um participante do submundo negocista foi flagrado por um colega de bandidagem. O que era uma oportunidade para se dar a partida na revelação da rede corrupta foi transformado pelo PSDB paulista, e seus laranjas, no sumidouro do governo. A má fé oposicionista se estende à paralisia por ela imposta ao Congresso. A CPMI dos Correios atende convites a domicílio enquanto o eixo do mal do negócio das comunicações esconde o Estado oligárquico de que é sócio e divulga em inacreditável rede de tevês, jornais, revistas e emissoras de rádio, a treta de que o PT inaugurou um inédito sistema de propinas. Sumiu da memória dos empregados da rede - vergonha profissional - o apoio ao Estado ditatorial torturador e corrupto. Em lugar de um processo do Estado oligárquico, e de seus petistas seduzidos, assiste-se, entre outras relevâncias históricas, a um acerto de contas de tempos universitários entre os deputados paulistas José Dirceu e Zulaiê Cobra. Como todo ex-comunista fracassado, enquanto comunista, assiste-se ao enraivecido deputado Alberto Goldman pedir a destruição do partido que conseguiu realizar a organização da classe trabalhadora, o que o seu ex-partido jamais conseguiu. Assiste-se a uma suicida peleja interna ao PT paulista, com a participação ainda coadjuvante e atrapalhada de outros líderes (o trajeto de Tarso Genro de enigmático a desleal é inacreditável), espelhando o espetáculo dos chacais pessedebistas, antecipando a carniça. Assanham-se a plutocracia e seus porta-vozes impressos: vem aí nova edição do campeonato paulista - Palocci versus Serra, ou Alckmin ou FHC (que, outra vez agitado, adora uma jugular). Haja federação!