Título: Liminar do STF pode agravar situação da infra-estrutura
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 25/08/2005, Opinião, p. A12

Só há más noticias no horizonte para os investimentos em infra-estrutura. Desde que membros do governo e da iniciativa privada acenaram com a possibilidade de um "apagão logístico", há um ano, o ambiente para os investimentos em energia, saneamento, estradas e ferrovias piorou em quase todos os casos. A liminar concedida em 26 de julho pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, acolhendo pedido do procurador-geral da República, veio culminar este processo. Ela implica que qualquer novo projeto envolvendo desmatamento em zonas protegidas terá de ser objeto de aprovação específica, obra a obra, pelo Congresso Nacional - o que inclui, por exemplo, todas as usinas hidrelétricas a serem licitadas pelo governo. A decisão tem o poder de paralisar por um tempo indeterminado os investimentos no setor. A liminar acolheu uma ação direta de inconstitucionalidade que derruba parte do artigo 4º do Código Florestal, que dava o poder ao Ibama e órgãos regionais para autorizar obras em áreas de preservação. Ela dá razão às críticas dos investidores, nacionais ou estrangeiros, que vêem na insegurança jurídica um obstáculo relevante para o desenvolvimento sustentado do país. Por depender em grande parte de recursos do Estado, a infra-estrutura foi sucateada, à medida que a crise fiscal secou uma de suas principais fontes de financiamento. As concessões para a iniciativa privada enfrentam vários obstáculos, do marco regulatório insatisfatório - ou sua ausência - à lentidão do licenciamento ambiental. O governo corre para evitar que se formem as condições para um novo estrangulamento na oferta de energia. Abalroado pelo escândalo do mensalão, com uma base de apoio esfacelada e aturdida, ele tem poucas possibilidades de retomar a iniciativa e avançar nesta área. Quando tomou decisões corretas, como a de assumir a tarefa de obter licenciamento ambiental prévio antes da licitação de novas usinas hidrelétricas, as soluções não se materializaram. O Ibama carece de recursos e mão-de-obra para um trabalho que já é, por si só, complexo e demorado. A concorrência para a construção de 17 novas usinas, prevista para março, atrasou. Até agora, apenas uma delas obteve o sinal verde dos órgãos ambientais. O calendário dos riscos de apagão vem sendo antecipado pelos analistas. Era 2010, pulou para 2009 e já há quem fale em 2008. A liminar concedida pelo STF torna mais inquietante um futuro que despertava grandes preocupações. As dificuldades para ampliar a oferta de energia se espalharam também para o gás, o coadjuvante de emergência no combate a colapsos da oferta. A crise política boliviana tornou incerta a continuidade do fornecimento do produto para o Brasil e elevou o preço substancialmente no curto prazo. A Petrobras, em função disso, reajustará o gás em 13% em setembro, mais 20% em novembro e prometeu acabar com todo tipo de desconto em janeiro. No total, o gás aumentará 33% em apenas seis meses, segundo cálculos de empresas do setor. A estatal acelerará seus planos de investimento no gás, aumentará os recursos, mas terá de racionalizar seu consumo priorizando o uso térmico. A perspectiva de que a oferta não cresça ao ritmo esperado torna mais provável o uso em maior escala de uma alternativa cara como o gás, e ambos tendem a pressionar os preços da energia para cima nos próximos leilões. A situação é pior nas rodovias. O TCU apontou diversas irregularidades nos estudos de viabilidade que baseavam os editais de concessões de 3.059 quilômetros de rodovias - as primeiras a serem realizadas no governo Lula, previstas para outubro. Além disso, o Ministério dos Transportes tem sofrido sucessivos cortes no seu orçamento de investimentos, o que só faz prever custos maiores para o transporte de mercadorias, dois terços deles feito por estradas. A saída para deslanchar investimentos no saneamento básico está bloqueada pela briga política em torno do marco regulatório, que já dura anos e não tem prazo para terminar. A regulamentação das PPPs está na fase final, mas elas entrarão no limbo enquanto o governo se mantiver acuado pela crise política. A estabilidade das regras para a concessão na infra-estrutura, como mostra a liminar do STF, continua mais que precária. O apagão logístico não deve se materializar tão cedo, porque a economia está crescendo menos que o previsto - um péssimo consolo.