Título: Poupança fiscal primária para financiar redução de tributos
Autor: Aod Cunha de Moraes Junior
Fonte: Valor Econômico, 25/08/2005, Opinião, p. A12

Meta de déficit zero pode diminuir a relação dívida/PIB e também os impostos

As propostas de novas metas fiscais feitas pelo deputado Delfim Netto e pelo senador Jefferson Péres ocorrem num momento em que se pode esperar uma melhor contribuição da política fiscal para que a taxa de juros caia mais rapidamente a partir do final desse ano. A contribuição poderia vir por dois canais: menor pressão do gasto público sobre a inflação e redução mais rápida da relação dívida/PIB. O que proponho neste artigo é que o aumento do superávit primário se comprometa com outra meta de longo prazo, além da redução da razão dívida/PIB: a redução progressiva da carga tributária. Essas metas, conjugadas, permitiriam não só que os juros caíssem mais rapidamente, mas também que o investimento privado respondesse mais intensamente à queda dos juros. A proposta de déficit nominal zero, do deputado Delfim Netto, poderia representar, no início, um ajustamento fiscal mais agressivo. Para zerar o déficit nominal do setor público consolidado em 2006 e 2007 - adotando as hipóteses de crescimento do PIB real de 3% para 2005, 3,5% para 2006 e 4% para 2007, além de queda da Selic até 14% no final de 2007 (projeções bastante próximas às atualmente feitas pela Diretoria de Macroeconomia do Ipea) -, o superávit primário do setor público teria que ser próximo a 7% e 6% do PIB em 2006 e 2007, respectivamente. Há o risco de alguns interpretarem a sugestão de déficit nominal zero como um incentivo a uma política mais complacente do Banco Central em relação à inflação e como uma redução mais voluntarista dos juros nominais. Isso poderia levar a um menor esforço fiscal primário, que seria compensado por uma redução autônoma mais agressiva dos juros. A proposta do senador Jefferson Péres, ao invés de prever uma meta para o resultado nominal, propõe aumentar a meta do superávit primário dos atuais 4,25% para 5% ao ano do PIB. Esta é exatamente a mesma que foi sugerida recentemente pela Diretoria de Estudos Macroeconômicos do Ipea, na nota sobre a Política de Ajuste Fiscal de Longo Prazo. A coincidência com a proposta do Ipea reside apenas na magnitude do esforço primário sugerido. O senador Jefferson Péres, dentre outras diferenças, acredita que o programa de metas de inflação deveria ser flexibilizado e as metas de inflação elevadas para 9% ou 10% ao ano. A virtude da proposta contida na nota técnica do Ipea está em mostrar que a adoção de uma meta de 5% para o superávit primário, para os próximos anos, não requer cortes de gastos em relação ao que foi executado em 2004, apenas uma expansão menor, em termos reais, do gasto público em relação àquela que vem ocorrendo em 2005. Vale dizer que o superávit primário acumulado em 12 meses até o final do primeiro semestre deste ano já ultrapassa 5% do PIB. Assim, bastaria explicitar a adoção de tal meta e evitar uma expansão, no segundo semestre, maior do que aquela necessária ao incremento sazonal da despesa. Por outro lado, uma execução fiscal mais rígida, sem ser revelada como meta explícita, desperdiçaria uma ótima oportunidade de influenciar positivamente as expectativas dos agentes econômicos. Fica-se com o custo de um impacto contracionista no gasto público sem o efeito positivo sobre as expectativas de longo prazo dos agentes privados.

Objetivo de menor carga tributária pode ser mais agregador politicamente do que o de abaixar a dívida

O que proponho neste artigo é que a elevação da meta de superávit primário para 5% seja estendida por um período suficientemente longo e que os ganhos fiscais primários sejam utilizados não só para a redução da relação dívida/PIB, como está proposto no estudo do Ipea, mas também para uma redução progressiva da carga tributária. Não há dúvida de que a redução do atual nível de endividamento público deve ser a prioridade número um, mas é importante que haja alguma sinalização de redução futura da carga tributária. O atual nível, acima de 36% do PIB nos últimos dois anos, significa um elevado grau de distorção para o investimento privado, uma das variáveis mais importantes para medir a capacidade de crescimento de longo prazo segundo as modernas teorias de crescimento econômico. Um país com o crescimento de renda per capita do Brasil deveria exibir níveis de tributação de até 10 pontos percentuais a menos. Se a meta de superávit primário de 5% fosse estendida por dez anos a partir do ano corrente, então poderíamos chegar a 2015 com uma combinação virtuosa de baixo endividamento público e um adequado nível de carga tributária. A receita é usar, a partir de certo momento, parte da poupança fiscal primária de um ano para financiar a redução da carga tributária do ano seguinte. Como um dos cenários alternativos, se dois terços do esforço primário nos próximos dez anos fossem destinados à redução da relação dívida/PIB e um terço para a redução da carga tributária, então chegaríamos a 2015 com uma relação dívida/PIB próxima a 33% do PIB (nível semelhante ao do início do Plano Real) e uma carga tributária abaixo de 30% do PIB. É importante destacar que essa projeção é feita sob uma hipótese de crescimento constante para o PIB de 4% ao ano, a partir de 2007. Essa previsão pode ser considerada conservadora, dado que o esperado é que a redução da relação dívida/PIB e, principalmente, a redução da carga tributária abram caminho para uma expansão maior do crescimento não-inflacionário da economia. Se isso ocorrer, então a obtenção daqueles números poderá acontecer ainda antes de 2015. Alguém dirá que tal proposta revela ingenuidade, ao desconsiderar o fenômeno do ciclo político, e que não seriam críveis metas que fossem estipuladas para além de 2006. É justamente aí que entra a importância do objetivo de redução da carga tributária. Como metas fiscais de longo prazo devem exigir algum tipo de arranjo institucional (como uma lei) que envolva a adesão de atores políticos, a introdução do objetivo de redução progressiva da carga tributária pode ser um elemento novo, com maior potencial de agregação política do que o único objetivo de redução da relação dívida/PIB. A sociedade tende a reconhecer muito mais facilmente os benefícios advindos do primeiro objetivo do que os provenientes do segundo.