Título: Longa espera para descarregar em Santos
Autor: José Rodrigues
Fonte: Valor Econômico, 25/08/2005, Empresas &, p. B9
Porto Centenas de caminhoneiros aguardam até dias, sem condições de infra-estrutura, para entregar a carga
"Que dia é hoje?", pergunta Liliane, 26 anos, com um filho ao colo. Ao certificar o dia correto, ela conclui: "Então, o Eduardo (o filho), está com um ano e quatro meses". Minutos antes, o marido, 50 anos, Rubens Vargas Batista, caminhoneiro, havia dito que o menino tinha um ano e três meses. Esses enganos de datas são comuns na vida da família. Os três estão fora de casa há cerca de 60 dias, à procura de fretes. Na semana passada encontrava-se numa das avenidas que margeiam o porto de Santos, a Mario Covas Júnior, em meio a uma vigília que já consumira 24 horas, à espera de espaço em um terminal de açúcar para descarregar 39,5 toneladas do produto, trazidas de Nova Europa, a 680 quilômetros de Santos. Não havia qualquer perspectiva de data para o descarregamento, pois, além da falta de lugar para estacionar o veículo, um Volvo bi-trem 2000, avaliado em R$ 360 mil, também há a escassez de contêineres para armazenar a sacaria que depois irá para bordo do navio. O veículo pertence ao Grupo GO do Paraná. Rubens Batista não é uma exceção. Caminhoneiros que chegam ao porto sem um planejamento logístico são condenados a uma espera em locais sem qualquer condições de infra-estrutura para refeições, higiene e passar o tempo. Sem áreas públicas adequadas, os veículos enfileiram-se nas avenidas que envolvem o porto, enfrentando uma guerra por espaços, que se ficam cada vez mais curtos durante a safra agrícola. O projeto-salvação, capaz de dar ao porto de Santos alguma dignidade aos caminhoneiros e de reduzir o caos atual no seu entorno, consiste-se na utilização de uma área no município de Cubatão pela Petrobras Distribuidora. São 2 milhões de metros quadrados de propriedade da extinta Rede Ferroviária Federal, que poderia entregar a área como parte do pagamento de uma dívida com a estatal petrolífera. Do total da área, o projeto deve se limitar a pouco mais de 600 mil m², suficiente para acomodar cerca de 5 mil veículos. Esse é o número dito sobre a demanda diária do porto, que vem apresentando crescimento de até 20% em alguns tipos de carga, como os contêineres. No caso das commodities agrícolas, os avanços têm sido da ordem de 10%. A partir deste ano, os granéis líquidos vão ter novo impulso, com a entrada em operação de novo terminal especializado em álcool e produtos químicos. O diretor de infra-estrutura da Codesp, engenheiro Arnaldo de Oliveira Barreto, recebeu ontem a visita de técnicos da Petrobras para discutir o assunto e analisar a área. Ele calcula que o porto disponha atualmente de cerca de 1,5 mil vagas para estacionamento de carretas, nenhuma com estrutura, além do espaço físico na sua margem direita. Nesse total estão as vias que dão acesso ao porto, como a que serviu para a família de Rubens Vargas Batista. Depois do caos de maio, a Codesp tomou várias medidas para mitigar os congestionamentos, que extrapolaram para as vias públicas. Foi montada uma guarda portuária especializada em trânsito e 50 motocicletas para percorrer o cais. Várias obras civis, com afastamento de linhas férreas abriram mais espaço para os veículos circularem, mas como a demanda continua em alta, a solução ainda está longe de ser atingida. José Luiz Gonçalves, presidente do Sindicato dos Caminhoneiros da Baixada Santista (Sindicam), estima que só na região já há cerca de 4,8 mil profissionais "que não têm onde deixar seus veículos". Para ele, esse número está aumentando de forma descontrolada, pois muitas pessoas adquirem caminhões para "complemento de sua renda". Gonçalves queixa-se de que a categoria não é chamada para conhecer e debater o futuro pátio. A família de Batista, originária de Cascavel (PR), migrou para o interior de São Paulo para "puxar o açúcar". Pois, como diz, "o porto de Paranaguá está parando com o problema dos transgênicos". Seu ganho é na base de 9% do valor do frete e todo acréscimo devido a aumento das estadias é de difícil negociação. "Tem muita gente no mercado e se você não faz o serviço aparecem 50 no seu lugar." Como caminhoneiro de fora, faz uma denúncia. "O policiamento vê a chapa da carreta e endurece. Aí temos de procurar abrigo em qualquer ponto. Na hora de ir ao banheiro, temos que pedir favor num bar. Para homem ainda é mais fácil, mas para a mulher complica."