Título: As dificuldades da Lei de Falências
Autor: Taciano F.da Silva Nunes
Fonte: Valor Econômico, 25/08/2005, Legislação & Tributos, p. E2

"Veja-se a inviabilidade para as empresas de apresentar a prova de quitação de débitos com o Fisco"

Recém publicada, a nova lei que regulamenta a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do devedor empresário ou sociedade empresária, já vem viciada de uma série de inviabilidades que dificultam, em muito, o acesso dos pequenos e médios empresários ao plano de recuperação, eximindo outra probabilidade senão de falência. Quando falamos em pequeno e médio empresário, fazemos referência tendo em vista que as grandes empresas, adotando um plano de recuperação extrajudicial - diga-se de passagem, porque a judicial está em muito prejudicada-, assim o faz com a garantia de ter uma grande instituição financeira acobertando-a para viabilizar e realizar o plano extrajudicial de recuperação. Nenhuma lei atende, ao nascer, todas as necessidades apresentadas pelo convívio em sociedade que busca evoluir. Portanto, com o passar dos tempos, estas leis tendem a sofrer modificações para adequar-se a estas necessidades, seja através de jurisprudência, alteração ou mesmo desuso. Assim, veja-se a inviabilidade, para as empresas em vias de recuperação, de cumprirem uma das exigências da lei, ao terem de apresentar a prova de quitação de débitos para com o Fisco, exigida no artigo 57 da lei em análise. Ora, uma vez que a empresa está em situação econômico-financeira difícil, e projeta-se à elaboração de um plano de recuperação judicial, é porque não está conseguindo assumir as dívidas pactuadas com os credores, e, conseqüentemente, com o Fisco. Importante salientar que essa dificuldade por qual passam determinadas empresas nem sempre decorrem de má administração ou mesmo má-fé por parte de alguns, decorrendo, simplesmente, de uma modificação acirrada ocorrida no mercado financeiro, freqüente nos dias atuais. As empresas que se encontram em tal situação, com o passivo fiscal avantajado, dificilmente conseguirão arcar com os seus débitos fiscais, ficando, desta feita, inviável a exigência da prova de quitação dos débitos perante o Fisco. Isto ocorre porque a empresa em dificuldades prioriza, como é o lógico e o mais pertinente a ser feito, o destino de seus poucos proventos que ainda restam ao pagamento de seus empregados e fornecedores. Esta prioridade dá-se em virtude da necessidade de manter a empresa em funcionamento. Todos sabemos que uma empresa que não paga os seus funcionários, quanto menos seus fornecedores, jamais terá condições de continuar com as suas atividades. Por isto é elementar a prioridade do deslocamento das verbas restantes, em desfavor do Fisco.

Nenhuma lei atende, ao nascer, todas as necessidades apresentadas pelo convívio em sociedade

Importante destacar aqui que a concordata (preventiva, porque a suspensiva desapareceu nas disposições da nova lei) prevista na anterior Lei de Falências (Decreto-Lei n.º 7.661/45), vista como um favor legal ao devedor empresário em dificuldades, perde este caráter quando do advento do instituto da recuperação judicial, deixando de ser um favor e tornando-se um pleito sujeito a aprovação dos credores. Saliente-se que a certidão negativa somente poderá ser recusada se houver crédito efetivamente constituído contra o interessado. O simples descumprimento de obrigação tributária, principal ou acessória, não enseja motivo suficiente para a autoridade competente recusar a expedição, a menos que já tenha sido feito o lançamento do crédito correspondente. Nesta esteira, é importante frisar que no caso de certidão positiva com efeitos de negativa, havendo recusa de qualquer autoridade em admitir a equiparação dos efeitos, ou mesmo a recusa em emitir ou retardar a emissão da certidão negativa, enseja a impetração de mandado de segurança. Frise-se que a impetração de mandado de segurança vem se mostrando meio constantemente utilizado para a obtenção destas certidões, com relativo sucesso. Oportuno lembrar que o ato de recusa da certidão negativa sem que exista débito vencido pode ser entendido como uso de meio ilegal para compelir o contribuinte ao pagamento do tributo, procedimento este temeroso em nosso direito positivo, podendo tal ação configurar o crime de excesso de exação previsto no parágrafo 1º do artigo 316 do Código Penal brasileiro, com a redação dada pela Lei nº 8.137/90, apenado com reclusão de três a oito anos, e multa, conforme entendimento do professor Hugo de Brito Machado. Outra exigência inviável apresentada pela nova lei em pauta é o prazo de dois anos para quitar as dívidas, quando da apresentação do plano. Ou seja, o empresário ou sociedade empresária terá o prazo de dois anos para ir pagando todos os credores envoltos no plano de recuperação. O ponto importante a ser analisado daqui pra frente será o atendimento ao bem comum, e, num dos assuntos ora debatidos, a recuperação judicial, como um todo , a preservação da empresa, sua função social com o devido estímulo à correta atividade econômica, e a manutenção do emprego dos seus trabalhadores e prestadores de serviços. Assim é, pelo objetivo último desta nova lei em viabilizar a superação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora de serviços e bens destinados ao progresso e bem viver do ser humano. Porque, pelo jeito que está, a tendência será o aumento, as vezes nem tão necessário, do número de empresas em estado de falência, aumentando, via reflexa, o número de desemprego, a instabilidade econômica do país, a revolta social e o desestímulo à atividade econômica.