Título: Gasto social no país é elevado, mas não atende aos mais pobres, diz historiador
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 25/08/2005, Brasil, p. A2

Os gastos sociais no Brasil são elevados por qualquer padrão internacional, totalizando quase 25% do PIB, mas o problema é que a maior parte dos recursos não vai para os mais pobres, avalia o professor Peter Lindert, da Universidade da Califórnia. Para ele, o governo destina mais dinheiro do que devia a aposentadorias e ao financiamento do ensino superior, atendendo camadas da população que estão longe de ser as de menor renda. O drama é que essas escolhas dificultam a redução da desigualdade e da pobreza e tendem a comprometer o crescimento de longo prazo do país. O programa Bolsa Família, por sua vez, é visto com bons olhos por Lindert, por ser focado nos mais pobres e exigir contrapartidas, como a freqüência escolar e o acompanhamento de saúde das famílias que participam dele. "É um bom programa. Você tem que continuar a trabalhar para que ele funcione de uma maneira eficiente", afirma Lindert, que participa do seminário Política Social no Brasil, promovido pelo Instituto Fernand Braudel e pela Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). O evento começou ontem e termina hoje. Lindert é um respeitado historiador americano, que tem como um de seus principais interesses o estudo das relações de políticas sociais com o crescimento. Lindert ressalta que os gastos no Brasil são elevados. As despesas com previdência, saúde, educação pública e outras transferências totalizaram 24,4% do PIB em 2002. É um número próximo da média dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 25,6%, e superior aos 23,4% do Canadá e aos 19,5% dos EUA. Outros países emergentes gastam muito menos: 16,6% do PIB no México e na Turquia e 10,4% na Coréia do Sul. Os números deixam claro que o problema da política social brasileira não é a magnitude dos gastos, mas sim a composição, diz Lindert. Um dos exemplos mais conhecidos dessa distorção são as despesas com a Previdência, atualmente na casa de 12% do PIB. A questão é que apenas 8,8% dos brasileiros têm mais de 60 anos. A França, que também gasta cerca de 12% do PIB, com aposentadorias, tem mais de 20% de idosos. Lindert lembra que o governo gasta muito com as aposentadorias de setores privilegiados, como militares e servidores públicos. No seminário, a ex-ministra Cláudia Costin mostrou números que deixam isso evidente: o benefício médio de quem se aposenta pelo INSS é de 1,8 salário mínimo, enquanto os militares recebem em média 14,8, os servidores do Judiciário 35, e os do Legislativo, 37. Para Lindert, a maior fonte de problema da política social é a concentração de poder nas mãos de grupos que fazem o possível para proteger seus interesses, principalmente no setor público. Outra distorção está nas despesas com educação. O gasto do governo na área, mais uma vez, é alto -5,4% do PIB em 2002. Segundo números da OCDE, em 2001, o Canadá gastou 5,2%, os EUA, 4,8% e a Coréia do Sul, 4,3%. O ponto é que o país gasta bem menos do que deveria com o ensino básico e mais do que é recomendável com o superior. Segundo Lindert, o ideal é seguir o padrão da OCDE, que reúne os países mais desenvolvidos do mundo e têm o melhor resultado na formação de capital humano. Num cálculo que compara as despesas com educação e a renda per capita de vários países, o custo de um estudante brasileiro de nível superior é 14 vezes maior que o de um estudante do nível básico. Nos países da OCDE, um estudante universitário custa pouco mais que o dobro do que um estudante do nível básico. "Isso é um erro. Você poderia usar mais dinheiro para dar educação básica a um número maior de estudantes, principalmente do Nordeste", afirma Lindert, acrescentando que isso acarreta problemas para a economia. "A produtividade do Brasil tende a ser menor devido a isso. O país é uma sociedade que não investiu em educação cedo o suficiente." Ao avaliar a política social do governo Lula, Lindert diz que algumas medidas foram na direção correta, embora tenham sido tímidas. Ele cita o caso da reforma da Previdência em 2003, que apontam no caminho certo, mas não têm um impacto muito forte. Lindert elogia o Bolsa Família, um programa voltado de fato para os mais pobres e que tem contrapartidas inteligentes, como a exigência de freqüência para crianças em idade escolar. Lindert diz que houve um grande progresso nas políticas sociais no governo de Fernando Henrique Cardoso. Lula, segundo ele, continuou alguns dos programas, mas não fez avanços tão rápidos como os ocorridos administração anterior. "Mas não sou contra Lula. Seu histórico não é ruim. No entanto, mais poderia ter sido feito."