Título: Buratti mantém denúncia de propina, mas poupa Palocci
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 26/08/2005, Política, p. A5

Crise Ex-assessor diz que tomou conhecimento de acordo pré-eleitoral para renovar contrato da Gtech

O advogado Rogério Buratti confirmou ontem, em novo depoimento à CPI dos Bingos, as denúncias de que a empresa de coleta de lixo Leão Leão pagava R$ 50 mil por mês à Prefeitura de Ribeirão Preto em troca de favorecimento nas licitações e disse "acreditar" que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, sabia de tudo. Ele admitiu que manteve contato com Palocci após a sua entrada no ministério, afirmou tê-lo visitado em Brasília com a sua esposa e os seus filhos, mas o isentou de qualquer tentativa de tráfico de influência na Fazenda. O Palácio do Planalto recebeu com alívio e tranqüilidade o depoimento de Buratti. A expectativa é que o depoimento tenha encerrado o envolvimento de Palocci com a crise. A expectativa também é que esteja havendo um saturamento da opinião pública com o caso, e que leve a uma volta paulatina da normalidade. Em outra linha de acusações, Buratti disse ter conhecimento de que Waldomiro Diniz, ex-subchefe da Casa Civil ligado ao ex-ministro e deputado José Dirceu, tentou influenciar a renovação de um contrato de R$ 650 milhões da Gtech com a Caixa Econômica Federal. Ele insinuou que Waldomiro pode ter recebido propina da Gtech por meio da empresa de consultoria jurídica MM, sediada em Belo Horizonte, que recebeu R$ 5,098 milhões da multinacional americana. A renovação do contrato com a Gtech, segundo relatou Buratti, fazia parte de um acordo pré-eleitoral. Ele afirmou ter ouvido do seu amigo Ralf Barquete, ex-assessor da presidência da Caixa e também integrante da equipe de Palocci em Ribeirão Preto, que as casas de bingo em São Paulo contribuíram com R$ 1 milhão à campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva e que os bingos no Rio de Janeiro também haviam feito contribuição semelhante. Buratti afirmou que as casas de jogos acertaram três condições, segundo Ralf teria lhe informado, para repassar os recursos à campanha de Lula: queriam a regulamentação dos bingos, cargos na Caixa Econômica Federal e a renovação com a Gtech. Disse que a informação sobre o acordo com a multinacional americana lhe foi confirmada pelo advogado da Gtech, Enrico Gianelli. Apesar da polêmica sobre o contrato com a Caixa, o governo respirou com alívio. Na avaliação da tropa de choque petista no Senado, Buratti não comprometeu Palocci porque a única pessoa a envolvê-lo diretamente no esquema do lixo em Ribeirão Preto teria sido Ralf Barquete, morto no ano passado. "Não há nenhuma prova contra o ministro Palocci e, portanto, nenhuma razão para sua vinda (à CPI)", disse Tião Viana (PT-AC), sem esconder a sua satisfação com o depoimento. Buratti não apresentou provas e reconheceu que os indícios da participação de Palocci não esquema são "subjetivos". Mas fez questão de reforçar suas acusações sobre a existência de pagamento mensal da Leão Leão à Prefeitura de Ribeirão Preto e de outros municípios no interior paulista. Segundo ele, as prefeituras "colaboravam" com a empresa de coleta de lixo na elaboração do edital de licitação e na divulgação do cronograma. "O dinheiro era lançado (na contabilidade da empresa) com nota fiscal de prestação de serviço ou então era retirado do caixa da empresa com notas compradas", explicou Buratti. Os recursos eram sacados das agências do Banespa e do Bradesco na própria Leão Leão. Buratti afirmou que "os agentes municipais impunham essa regra" de licitações viciadas em troca de propina. O pagamento era feito a Ralf Barquete, então secretário de Finanças de Ribeirão. Na versão de Buratti, Ralf dizia que Palocci sabia da propina, mas não embolsava o dinheiro - os recursos eram transferidos ao Diretório Nacional do PT, para o ex-tesoureiro Delúbio Soares. Palocci chegou a ser classificado pelo ex-assessor como "patrão" do esquema. "Nenhuma empresa faz uma contribuição, nem pequena nem grande, sem que o patrão saiba. Nunca participei de reunião com ele (Palocci), mas acredito que ele soubesse", afirmou Buratti. Mais tarde, ele enfatizou que a diretoria da Leão Leão tinha convicção de que o dinheiro da propina chegava a Palocci: "Ele era entendido dentro da empresa dessa forma, como uma pessoa que sabia". Buratti confirmou ter feito ligações a Palocci, por "motivos pessoais, para falar da doença do Ralf", que tinha câncer, mas disse que a maioria dos contatos era com Juscelino Dourado, chefe de gabinete do ministro, com quem tem relacionamento "muito forte". Ele garantiu, porém, que todas as suas visitas ao Ministério da Fazenda foram "de cortesia", sem tratar de negócios. Ele admitiu que, uma vez, chegou a solicitar uma audiência com Palocci em nome de uma empresa de Ribeirão, mas insistiu que não houve ilegalidade. O ex-assessor manteve a sua versão de que recebeu uma proposta de propina da Gtech, de R$ 500 mil a R$ 16 milhão, para melhorar as condições da renovação do contrato com a Caixa. O dinheiro iria para o PT. Mas deu novos detalhes. Afirmou que a Gtech chegou ao nome dele por meio de Ralf, que estava havia um mês na Caixa e o recomendou. Buratti recebeu os executivos da empresa e relatou a conversa a Ralf, que teria transmitido a proposta aos seus interlocutores na Fazenda. "Houve uma oferta, que eu transmiti e foi negada. Ele (Ralf) me disse que conversou com o ministro, ou alguém do ministro, e ele tinha preferido não se intrometer", afirmou. Para Buratti, a Gtech já tinha um caminho para tentar influenciar a Caixa por meio da Casa Civil. "Ouvi do próprio Gianelli (então advogado da Gtech) e do Lino da Rocha (ex-presidente da empresa) que eles estavam trilhando um caminho com o Waldomiro Diniz", contou Buratti. Para o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), membro da CPI, "ficou claro" a existência de um esquema entre Gtech e Casa Civil. O senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) falou de um "acordo de cavalheiros bem feito" entre Buratti e Palocci, que atenuou as acusações. (Colaboraram Cristiano Romero, Jaqueline Paiva e Mauro Zanatta)