Título: Lula diz que se inspira em JK para ter paciência
Autor: Jaqueline Paiva
Fonte: Valor Econômico, 26/08/2005, Política, p. A8

Crise Presidente diz que não repetirá Jango, Jânio e Getúlio

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez ontem o discurso mais firme e incisivo desde o início da crise política. Aproveitou para ele próprio falar o que pensa sobre sua reeleição, PT, denúncias, punição a amigos e companheiros e cobrar publicamente que seus ministros mostrem ações de governo à sociedade. Garantiu também que pretende ficar até o fim do mandato. Para demonstrar que mantém absoluta confiança no ministro da Fazenda, Antonio Palocci, afirmou que não muda a atual política econômica, descartando também qualquer intervenção nas decisões do Banco Central sobre juros e câmbio. No discurso, feito no mesmo momento em que o ex-assessor de Palocci, Rogério Buratti, prestava depoimento à CPI dos Bingos, Lula afirmou que a crise começa a ficar mais grave quando é feita uma denúncia nos moldes da que sofreu o ministro: "A denúncia foi feita pura e simplesmente sem concluir a investigação, como num carnaval, colocando em risco a economia". Após declarar que ainda não decidiu se será ou não candidato à reeleição, garantiu que o processo eleitoral não o fará mudar de comportamento, sobretudo na política econômica. Citou como exemplo sua decisão sobre o salário mínimo: "Graças a Deus, a Câmara dos Deputados agiu com prudência porque se tivesse aprovado R$ 384, eu teria vetado. Eu não iria cometer um gesto de insensatez eleitoral". O discurso, em parte lido e em parte de improviso, foi feito durante a reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES). Aos conselheiros, a maioria formada de empresários e sindicalistas, contumazes críticos da alta de juros, disse que não vai interferir nas decisões do Banco Central. Ele contou que, durante a campanha eleitoral, havia a cobrança para garantir a independência do BC. Sem citar nomes, disse que agora há alguns que o aconselham a aproveitar o momento da crise e baixar 4% na taxa Selic: "O problema dos juros é do Banco Central e é ele que vai cuidar do tema. Na hora em que eu começar a interferir não precisará mais de BC. Trago para minha sala e determino". O presidente admitiu que há setores insatisfeitos com a valorização do dólar, mas ponderou que a situação atual é fruto do sistema de câmbio flutuante, que também era uma reivindicação de empresários. "Temos que garantir para a sociedade é que em algum momento ele vai chegar a um ponto de equilíbrio, mas sem que a gente pratique nenhum estupro em nome do desejo de alguns", ponderou. Apesar de se dizer otimista, Lula reconheceu que o crescimento da economia deste ano não será o esperado. Segundo ele, o governo havia preparado um crescimento maior em 2005, mas não imaginava que iria se deparar com a crise política. "O resultado deste ano não vai ser nenhuma Brastemp, mas será bom. E vamos trabalhar para que em 2006, ano de eleição, a economia também não sofra nenhum retrocesso", afirmou. Mais tranqüilo e até emocionado, o presidente falou quase todos os 45 minutos de improviso. Deu a garantia mais enfática desde o início da crise de que pretende permanecer no mandato até o fim. Usou exemplos históricos: "A crise nesse país já levou Getúlio Vargas a se matar. Juscelino Kubitschek foi o mais achincalhado, mas depois se tornou referência para os presidentes de direita e esquerda. Jânio Quadros desistiu por forças ocultas e João Goulart foi obrigado a renunciar". Neste momento cometeu um erro porque, na verdade, Goulart foi deposto pelo regime militar. Depois, mostrou sua intenção: "Não farei o que fizeram Getúlio Vargas, Jânio Quadros e João Goulart. O meu comportamento será o de Juscelino Kubitschek - paciência, paciência e paciência". Mais uma vez o presidente não poupou o PT e deu um duro recado a seus ex-auxiliares, mas fez questão de ressaltar que é preciso provas para se fazer condenações: "Cada um dos meus companheiros sabe que pode ser meu melhor amigo, mas se cometer algum equívoco de conduta eu convido para deixar o governo da mesma forma como convidei a entrar e depois responderá onde tiver que responder". Em contraponto ao que afirmou o atual presidente do PT, Tarso Genro, de que não vê atualmente motivos para votar no PT, Lula afirmou que é petista e tem orgulho do partido, mas cobrou que haja punições internas para quem cometeu desvios. E reconheceu: "O PT teve um processo de sangria muito forte, mas cabe a ele, que está em processo de mudança de direção, julgar quem cometeu erros". O presidente também defendeu o trabalho das CPI, mas não quis falar sobre quantos parlamentares serão cassados. No entanto, defendeu o Congresso ao afirmar que os parlamentares que lá estão são a cara da consciência política do eleitorado brasileiro de 2002. Lula também foi contundente na defesa do ministro da Justiça, hoje um de seus mais influentes assessores, e criticou o Ministério Público. "Tentam envolver um homem da magnitude do Márcio Thomaz Bastos, à prova de denúncias, com um gângster, que está condenado a 25 anos de cadeia e apresenta como denúncia a própria declaração de renda do ministro", reclamou.