Título: Inflação e juro baixos amortecem alta do petróleo; mas até quando?
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/08/2005, Internacional, p. A9

Economia global Países resistem melhor a novo choque, mas pior ainda pode estar por vir

Se alguém lhe dissesse no final de 2001 - não muito depois dos ataques terroristas de setembro, quando os mercados de ações vinham tropeçando havia uns 18 meses - que o preço do petróleo iria mais do que triplicar em quatro anos, você poderia prever um colapso econômico global. O preço do barril do tipo West Texas aumentou de US$ 18, em novembro de 2001, para um novo recorde: passou de US$ 67 nesta semana. É uma escala similar aos saltos de preço de 1973-74, 1978-80 e 1989-90, todos eles seguidos por uma recessão mundial e pela escalada da inflação. Hoje, entretanto, o crescimento do PIB mundial está acima do esperado e a inflação continua baixa. Por que a economia mundial reagiu tão bem desta vez? Há várias explicações populares. A mais simples é que, embora o aumento dos preços seja tão grande quanto das outras vezes, ele tem sido mais gradual. Em 1979, o preço do petróleo dobrou em seis meses; desta vez, levou 18 meses, dando ao consumidor e às empresas mais tempo para se ajustarem e provocando menos danos a suas finanças e à confiança, prejudicando assim menos a atividade econômica. É uma explicação plausível, mas é improvável que seja a história toda: não importa qual seja o ritmo do aumento, ele faz com que todos paguem mais pelo combustível. Outra linha adotada para explicar é a de que, em termos reais, o petróleo não está tão caro assim. Verdade seja dita: ajustado à inflação, o preço do barril teria de estar a cerca de US$ 90 para bater a marca de 1980. Mas isso é um conforto pequeno: assim medido, o preço real está acima dos picos de 1974 e de 1990, que foram altos o bastante para provocar recessões. Acima de tudo, o cálculo do preço real depende do deflator usado. Em relação aos preços ao produtor nos EUA, a medida apropriada para as empresas, o preço real já está próximo do pico de 1980. Para uma economia importadora de petróleo, entretanto, o deflator relevante seria o dos preços de exportação, já que os preços causam mais danos em termos de comércio. Em relação aos valores de exportação, os preços do petróleo estão em um patamar recorde. Um terceiro argumento é que a economia moderna agora é mais propelida pelo poder intelectual e pelos microchips do que pelo petróleo. Os países desenvolvidos usam hoje menos da metade de petróleo por dólar produzido que em meados dos anos 70, graças ao aumento da eficiência no consumo, à mudança para outras fontes de energia e à mudança da indústria de transformação para a de serviços. Isso significa que o aumento dos preços do petróleo tem menor impacto na produção. Entretanto, enquanto os países ricos vêm diminuindo muito a dependência do PIB em relação ao petróleo, muitas das economias emergentes ainda são grandes consumidores. Algumas economias asiáticas, como a Índia e a Coréia do Sul, usam hoje mais petróleo por dólar do PIB do que nos anos 70. Mas, mesmo que os EUA consumam menos petróleo em relação ao PIB do que 30 anos atrás, o país também produz menos petróleo. Sendo assim, as importações hoje são mais ou menos equivalentes em relação ao PIB (pouco menos de 2%). E o impacto do preço alto no PIB depende da importação, e não do consumo, pois os produtores ganham com a alta dos preços. De acordo com o modelo do FMI, um aumento de US$ 10 no preço do barril deveria significar 0,6 ponto percentual a menos na produção mundial no ano seguinte. Sendo assim, o aumento de US$ 30 durante o ano passado deveria ter reduzido o crescimento global em quase dois pontos percentuais. Entretanto, todas essas fórmulas são baseadas em choques de petróleo anteriores, que ocorreram quando a maior causa para o aumento dos preços foi a quebra na oferta de petróleo: o embargo da Opep em 1973-74; a Revolução Iraniana em 1979; e a invasão do Kuait pelo Iraque em 1990. A situação atual, porém, tem sua origem no aumento da demanda, especialmente na China, no resto da Ásia e nos EUA. O aumento de consumo mundial no ano passado foi o maior em quase 30 anos. As velhas regras baseadas no choque de oferta não se aplicam para aumentos de preços baseados no aumento da demanda. Se os preços do petróleo sobem por causa da quebra de fornecimento, eles sem dúvida devem causar queda do PIB. Mas se os preços altos ocorrem por causa de uma demanda mais forte, eles são o produto de uma oferta global mais saudável. Por isso, eles são menos danosos. O problema é que, se os preços estão mais altos por causa da demanda e não da falta de oferta, eles devem permanecer em alta por mais tempo. Nos choques de petróleo do passado, a alta provocou a queda do consumo, fazendo com que, quando a oferta retornasse ao normal, os preços caíssem. Mas, como o petróleo vem sendo empurrado para cima pela demanda da China e de outras economias emergentes, uma queda abrupta dos preços é menos provável. Isso não serve para negar o papel dos especuladores, que apostam que os preços devem crescer mais ainda antes de cair. Com a demanda aumentando fortemente e a oferta apertada - por causa de anos de investimentos insuficientes na exploração, no desenvolvimento e na capacidade de refino -, qualquer problema na oferta pode levar os preços ainda mais para cima. O fato primordial é que o equilíbrio dos preços do petróleo estão mais em cima: analistas da Goldman Sachs esperam que o barril chegue a uma média de US$ 68 no ano que vem e de US$ 60 nos próximos cinco anos. No longo prazo, esses preços vão acabar encorajando a exploração, o que aumentaria a oferta e, consequentemente, abaixaria os preços. Mas isso deverá levar tempo. O aumento gradual dos preços, a menor dependência de petróleo em muitas economias e o papel da forte demanda (em vez da queda de oferta) explicam de algum modo por que os efeitos no PIB mundial têm sido tão amenos. Mas talvez a grande diferença entre a alta de hoje e os choques anteriores esteja na reação da inflação e das taxas de juros. No passado, a alta do petróleo impulsionou a inflação; cedo ou tarde, os bancos centrais acabaram elevando seus juros. E agora? Dados da semana passada mostram que a inflação nos EUA pulou de 2,5% em junho para 3,2% em julho, em grande parte por causa do petróleo, mas o núcleo da inflação foi de 2% para 2.1%. A inflação no mundo inteiro está baixa, graças em parte às pressões globais de competição da China e de outros países. Essa situação tem permitido que os bancos centrais mantenham suas taxas de juros. Em consequência das baixas taxas de juros, os EUA e outras economias passam por um boom no mercado imobiliário, acompanhado pelo aumento de financiamentos e pela queda da poupança. A alta do petróleo vem agindo sobre os consumidores como um impostos, deixando-os com menos dinheiro para gastar em outros produtos. Mas, nos EUA, isso tem sido plenamente compensado pelos financiamentos imobiliários. Isso explica por que o petróleo aparentemente reduziu a demanda interna mais na UE que nos EUA: na maior parte da zona do euro, esses refinanciamentos imobiliários não vem funcionando como um colchão, como nos EUA. O fato de a economia dos EUA ter sido capaz de absorver os altos preços de petróleo devido à bolha imobiliária não é reconfortante. O que acontecerá quando os preços dos imóveis se estabilizarem ou caírem? Os consumidores vão sentir a força da alta de petróleo. Pensando assim, se os consumidores começarem a se preocupar demais, um aumento maior ainda do petróleo pode até servir para estourar a bolha. Até agora, a alta do petróleo não causou muitos danos. Mas o pior pode estar por vir.