Título: Para Krugman, risco é pequeno e Brasil não precisa de juro tão alto
Autor: Cristiane Perini Lucchesi
Fonte: Valor Econômico, 26/08/2005, Finanças, p. C2

"Eu não estou certo de que existe um risco político no Brasil. E, se ele existe, não é nenhuma grande história." Essa é a opinião de Paul Krugman, professor de economia e assuntos internacionais da Universidade de Princenton, expressa em entrevista coletiva após palestra no 2º Congresso de Derivativos em Campos de Jordão, interior de São Paulo. Mesmo se a crise chegasse ao seu ápice, com o impeachment do presidente Lula, "eu não vejo qualquer razão para uma mudança na política monetária ou fiscal", disse. Segundo ele, o que a crise política pode estar causando é algum atraso na votação das reformas. Mas, de acordo com Krugman, ninguém acredita que, mesmo com essa crise, haverá "uma explosão na dívida ou na inflação, que é o que importa ao mercado". Após fazer os cálculos levando em conta a inflação, o prêmio de risco dos mercados emergentes e a taxa de juros, Krugman disse que o risco político não salta aos olhos nos preços dos ativos brasileiros cobrados pelo mercado. Como comparação, ele citou a situação do presidente americano George Bush, que tem um índice de aprovação de apenas 36% da população e que, para 42%, deveria sofrer um impeachment caso tenha mesmo mentido sobre a posse de armas que justificou a guerra no Iraque, em 2002. "Nem por isso os investidores estão deixando de aplicar seus recursos nos Estados Unidos", afirmou. Krugman disse ter se surpreendido com a última decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), que manteve as taxas de juros brasileiras nos níveis atuais. "Não há necessidade de uma taxa de juros tão elevada no Brasil", afirmou ele, para quem os juros reais deveriam cair para níveis de 8% a 10%, e não permanecer em 14%. "Parece haver algum problema nos canais de transmissão da política monetária para a economia no Brasil", afirmou durante sua palestra, ontem pela manhã, para depois completar na entrevista coletiva: "Se tivéssemos juros reais de 14% nos Estados Unidos, os efeitos para a economia seriam impensáveis". Ele disse que o Brasil tem mais espaço para o corte de juros hoje, pois adotou políticas corretas. "O foco deveria passar para a promoção do crescimento", acredita ele. Krugman disse ainda que esperava uma nova era de "populismo responsável e moderado" na América Latina, que buscasse adotar ao menos alguma medida para "remediar a pobreza". Mas isso não aconteceu, afirmou ele. Autodefinindo-se como um "pessimista moderado de médio prazo", Krugman previu um estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos nos próximos três anos, provavelmente na Primavera do Hemisfério Norte já no próximo ano. Ele avalia que a bolha representa 4% do Produto Interno Bruto (PIB) americano e que seu estouro faria muita gente perder dinheiro, com uma queda na demanda interna nos EUA de 2% a 3% do PIB. A maior economia do mundo passaria então a crescer não mais do que zero a 1% ao ano. Para ele, os primeiros sinais da queda nos preços dos imóveis já podem ser sentidos hoje, mas só aparecerão nos números agregados da economia americana nos próximos meses. Como a demanda menor nos Estados Unidos reduziria o déficit em conta corrente do país, haveria uma redução no crescimento econômico mundial por conta disso. "Uma recessão mundial não é boa para ninguém", destacou. Mas os efeitos para os mercados emergentes não parecem "catastróficos", disse. "Não estamos falando em nada parecido com a crise de 1999", afirmou Krugman. Segundo ele, os países mais afetados seriam o Japão e a China, além do México e do Canadá, pela proximidade com os Estados Unidos. O Brasil, no entanto, como tem uma pauta de exportações mais diversificada e para os mais diferentes parceiros comerciais, não sofreria tanto, diz. No entanto, ele fez questão de frisar durante palestra que uma nova crise econômica "sempre revela perigos que você não conhecia antes". Para ele, o mundo hoje vive uma situação de fluxo internacional de capitais "estranho, bizarro", no qual países emergentes como a China e produtores de petróleo como a Rússia financiam os países desenvolvidos como os EUA. "Muitos tentam achar explicações racionais para o que não passa de um acidente histórico", disse ele. Mais estranho ainda, na sua visão, é que esses recursos não vão para o setor de manufaturas, que poderia ajudar o país a pagar a conta mais tarde ao agregar valor à sua produção, afirmou. O setor de manufaturas nos EUA mantém o nível de emprego em 2 milhões há anos e está com um dos mais baixos níveis de investimento em relação ao PIB da história. Já o setor de construção civil teve o seu número total de empregados triplicado nos últimos anos. "Mais de 50% do PIB dos Estados Unidos vêm hoje do setor de construção civil", disse ele, para completar: "É como se a economia internacional estivesse sendo sustentada pela venda de casas americanas e pelo financiamento dessas mesmas casas várias vezes com dinheiro chinês". Para Krugman, essa situação não é sustentável.