Título: "Sem mudanças, partido só dará argumentos ao eleitor de direita"
Autor: César Felício e Caio Junqueira
Fonte: Valor Econômico, 29/08/2005, Política, p. A6

O presidente do PT, Tarso Genro, disse não ter argumentos para convencer um eleitor a votar no partido. Não há mais argumentos? Plinio de Arruda Sampaio: Se a pessoa for de direita, há muitos argumentos para se votar no PT atualmente. Quando se é socialista, não há. Se o governo não tomar três medidas que representem esta vinculação, não tem argumento. Estas medidas são renegociar a dívida externa de modo a retomar investimentos, reduzir a base de apoio no Congresso, de modo a tirar da aliança os que têm propostas contrárias ao PT e que entravam uma mudança institucional explicar completamente o que aconteceu, as razões do cerco que o partido sofreu. Valor: Existe um "golpe das elites" em curso contra o partido ou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria capitulado a um velho modelo de se fazer política? Plinio: Não há golpe, há uma luta política que se ampliou pelo flanco que o PT abriu. Existe uma luta de classes que permeia a luta entre a oposição e o governo, com o fim de arrebentar o PT, mas a oposição não usou nenhum meio ilegal e é importante ter isto sempre em vista. Desenvolver uma estratégia política não é golpe. O golpe é uma ação de força contra a legalidade. O José Dirceu decidiu em 1995 que o PT tinha que chegar ao poder pela via eleitoral. Aí ele transformou o partido em uma grande máquina , abandonando suas propostas e gerando uma maioria que se auto-reproduzia. Ao assumir, o Lula se viu cercado na presidência, percebeu o tamanho do cerco e, diante dessa realidade, não se sentiu com força suficiente para enfrentá-la. Cedeu pontos importantes da sua história política e nos conduziu à situação que estamos Valor: Qual é a prioridade para o PT? Fazer uma faxina ética ou mudar a política econômica? Plinio: Hierarquizar estes pontos foi justamente o grande erro cometido pelo Campo Majoritário. O desvio ético decorreu do meio político para se atingir fins econômicos. Não dá para priorizar o que deve vir junto e esta crise tem aspectos positivos exatamente por terminar com esta dicotomia. Até por resgatar o que é de fato importante. O fundamental no Brasil não é transpor o rio São Francisco ou duplicar estradas, mas sim discutir as mais altas questões políticas. Valor: Qual será a posição do grupo que o sr. representa caso Lula seja candidato à reeleição em 2006 sem mudar sua proposta ou ceda a candidatura para o ministro da Fazenda, Antonio Palocci? Plinio: A preliminar é o que está acontecendo agora. Ao me candidatar com 75 anos de idade e 50 anos de compromisso com o socialismo, o nacionalismo e a reforma agrária, estou fazendo um teste . Para mim, o PT é o melhor meio para realizar as idéias da esquerda, mas um móvel que tenha cupim você pode recompor ou não dependendo do nível de infestação. Então esta eleição será um teste. Para cortar o móvel, é preciso ter um machado, uma faca ou pelo menos um canivete. Com apenas uma lapiseira, é preciso abandonar. Valor: O PT corre o risco de acabar? Plinio: Não. O PT corre o risco de virar um grande partido tradicional, como o PMDB. Até o momento o PT continua diferente, tanto é diferente que está absolutamente em crise. O PMDB não tem correntes comprometidas com a transformação e a ética, têm figuras isoladas. No PT, há correntes que representam quase a metade do partido. Mas se a velha direção do Campo Majoritário prevalecer, podemos ir pelo caminho pemedebista. Valor: O PT mais que dobrou de tamanho durante o governo Lula. Como é o perfil deste novo militante? Plinio: O novo militante é uma figura ambígua. Muitos entraram no partido para ser a clientela de grupos poderosos. Outros vieram pela esperança, na onda da vitória de Lula, até meio ingenuamente. Acredito que este segundo grupo estará mais motivado a ir votar na eleição de 18 de setembro. Mas para evitar o inchaço de agora para diante será fundamental modificar o estatuto do partido. Valor: Sua chapa conta com o apoio de várias pessoas que pertenciam ao Campo Majoritário. O sr ainda vê como possível uma composição que produza uma chapa de unidade partidária para a eleição interna? Plinio: Tenho muita desconfiança destes movimentos salvacionistas em defesa da pátria ameaçada, ou do partido ameaçado. Nossa oposição ao Campo Majoritário é frontal, não temos como nos juntar com eles e qualquer mudança no processo eleitoral agora seria um casuísmo que nesta hipótese não se justifica. Temos que manter o cronograma que havia sido estabelecido. A divisão interna não é um problema para o PT. Na Constituinte, eu votei 1.312 vezes com a bancada, inclusive em temas que discordava frontalmente, como o presidencialismo, por exemplo. Em geral, as divergências não precisam ser externalizadas ou discutidas na imprensa, mas agora a divergência é de fundo e precisa vir a público. O brasileiro tem interesse neste debate interno e é preciso que tudo seja dito da maneira mais clara possível. Valor: O sr concorreu a cargos legislativos e executivos em várias ocasiões. Vê com naturalidade as menções ao uso de caixa 2 em campanhas como algo absolutamente natural na vida política? Plinio: Nas duas vezes em que concorri a cargos majoritários, perdi. Em 1988, na disputa interna pela prefeitura de São Paulo, e em 1990, quando fui candidato ao governo do Estado. Não houve qualquer vestígio de caixa 2 na campanha, meu tesoureiro foi o editor Caio Graco Prado. Vai ver que foi por isso que perdi. Imagino que o caixa 2 sempre existiu , sempre se falou nisto, já que na ordem capitalista, essa é a maneira de se agir. Mas a luta mostra que não basta ganhar uma eleição, que é preciso fazer escolhas difíceis. Apesar de tudo que estamos passando, estou otimista com este momento.(CF)