Título: PT e outros partidos podem perder imunidade fiscal
Autor: Vera Brandimarte e André Vieira
Fonte: Valor Econômico, 26/08/2005, Política, p. A7

Crise PT e outros partidos podem perder imunidade fiscal

Uma nova ameaça paira sobre o futuro do Partido dos Trabalhadores - e sobre todos os partidos apontados como beneficiários de recursos de caixa dois da campanha eleitoral de 2002 e 2004. Na última semana, o senador José Jorge, vice-presidente do PFL, apresentou à Receita Federal pedido para que o fisco fiscalize as contas do PT com o objetivo de suspender a imunidade tributária do partido. Essa suspensão acarretaria ao partido uma nova dívida que pode chegar a R$ 60 milhões, levando-se em conta apenas os valores de R$ 55,8 milhões que, segundo o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, teriam sido repassados ao partido do governo. Aí estão computadas as alíquotas do Imposto de Renda (15% mais adicional de 10%), da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (9%), da Cofins (3%), do PIS (0,65%), totalizando R$ 20,98 milhões. Sobre esse valor ainda incidem juros, de 36% na média, e multa de 150%, já que a operação se enquadraria como crime contra a ordem tributária. Os partidos que receberam esses recursos e não os contabilizaram oficialmente em seus livros estão igualmente sujeitos a taxações e multas, bem como as empresas que fizeram as doações de forma ilegal ou simulando operações. Aí se incluem o PTB, o PP e o PL. Há ainda controvérsias entre tributaristas se, ao se suspender a imunidade tributária, os impostos não deveriam incidir sobre todos os valores movimentados pelo partido, inclusive os lançados em livro, a partir do momento em que se iniciou a infração. O que seria a pá de cal para todos esses partidos, ou, como avaliou um experiente deputado, aceleraria um cenário de reestruturação partidária que de qualquer forma deve mesmo ocorrer. A Receita Federal alega razões de sigilo fiscal para não comentar se já teria dado início aos procedimentos para recolher, aos cofres do Tesouro, essa parte do botim. Mas o fato é que, independentemente da representação que lhe foi feita pelo PFL, se a Receita funciona de forma autônoma em relação ao partido do governo, já deveria ter dado início à investigação desde o momento em que surgiram as primeiras denúncias do deputado do PTB Roberto Jefferson e, principalmente, depois do reconhecimento público do crime de uso de caixa dois pelo tesoureiro do partido, Delúbio Soares. O lado fiscal do escândalo apurado pelas CPIs dos Correios, do Mensalão e dos Bingos foi até agora muito pouco explorado porque esta seria primeira vez que seria usada para partidos políticos a legislação sobre o tema. A Constituição, no artigo 150, determina imunidade tributária para partidos políticos, sindicatos e entidades de educação e assistência social sem fins lucrativos. Mas o Código Tributário prevê, no parágrafo primeiro do Artigo 14, a suspensão da imunidade caso as entidades não cumpram suas obrigações de manter a contabilidade formal da prestação de contas e de aplicarem integralmente os recursos no país na manutenção de seus objetivos institucionais. Até 1996, esse parágrafo do Código não tinha resultados práticos porque faltava aprovar os procedimentos para aplicação da lei. Isso foi feito por meio da Lei do Ajuste Tributário n 9.430, de 27 de dezembro de 1996. E, desde então, a suspensão já foi aplicada inúmeras vezes para entidades filantrópicas. O ineditismo estaria em sua aplicação a partidos políticos. "A Receita poderia ter tomado a iniciativa de fiscalização por conta própria", diz o senador José Jorge, que contou ter conversado com o secretário da Receita, Jorge Rachid, no dia em que levou a representação ao órgão. O PT acredita que não perderá a imunidade. "Para suspendê-la, só modificando a Constituição", disse o atual tesoureiro do partido, José Pimentel, argumentando que uma lei ordinária não pode sobrepor-se ao princípio constitucional. Mas, para um renomado tributarista ouvido pelo Valor, este argumento é um sofisma. De fato, diz o tributarista, a imunidade é ontológica, ou seja, ela é do ser e não pode ser retirada. Mas, o que o artigo 14 do Código Tributário faz é suspender a imunidade, nos casos previstos em lei. Tanto que essa suspensão vem sendo aplicada para entidades filantrópicas sem contestação nos tribunais superiores. Pode caber discussão é em relação aos valores dos tributos e multas.