Título: Cartões da Presidência pagaram hotéis e restaurantes de alto padrão
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 29/08/2005, Política, p. A8

Os cartões corporativos da Presidência da República pagaram, para ministros e funcionários do governo, de refeições nos melhores restaurantes de São Paulo a lanches na padaria mais chique de Brasília, além de azeite de oliva "extra virgem", brioches, geléias e até bolo de fubá. As informações constam de um demonstrativo de despesas enviado pela Casa Civil ao Tribunal de Contas da União (TCU), que na semana passada aprovou a realização de auditoria nos cartões corporativos. Seis notas fiscais de hotéis em São Paulo fazem parte da relação de documentos recebida pelo TCU. Com diárias que variam de R$ 224 a R$ 285, os hotéis foram pagos com dinheiro público. A maioria das hospedagens incluiu refeições de valores altos, em restaurantes sofisticados, que chegaram a ultrapassar R$ 300. Um exemplo é a estadia de um servidor da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência no cinco-estrelas Crowne Plaza. Os três dias de hospedagem, entre 25 e 27 de junho do ano passado, incluíram gastos de R$ 621 no Zafferano, o restaurante do hotel. Mais da metade da conta total, que somou R$ 1.154. O Zafferano é descrito pelo site do hotel na internet como "um dos mais chiques restaurantes meditarrâneos da cidade". Uma nota fiscal emitida para a Secretaria de Administração do Palácio do Planalto mostra o consumo de quatro refeições - uma delas custou R$ 325. O funcionário em viagem não é identificado, mas o reembolso da despesa foi feito pela Secom, do ex-ministro Luiz Gushiken, hoje chefe do Núcleo de Assuntos Estratégicos. O próprio Gushiken, durante estadia no Ca'd'Oro entre 7 e 9 de abril do ano passado, gastou R$ 231,10 no restaurante e R$ 347,90 no bar executivo do hotel em São Paulo. Consultada, a assessoria do ex-ministro informou que as despesas não foram pessoais, mas sim referentes a "contatos com representantes da mídia e do mercado publicitário" considerados de interesse público pelo ex-ministro da Secom. As demais notas fiscais com valores altos de refeições não comprovam gastos de Gushiken. Indicam apenas despesas feitas por algum funcionário da Secom, já que foram endossadas, para efeito de reembolso, por agentes responsáveis da secretaria. Esse é o caso da conta apresentada pelo hotel Gran Hyatt, entre os dias 24 e 26 de janeiro de 2004, que anuncia em sua página na internet "receitas criativas da cozinha italiana": em apenas uma refeição, foram gastos R$ 214,40. A reportagem encaminhou ontem à tarde, para a assessoria da Casa Civil, cópias das seis notas fiscais referentes a hospedagens. A Casa Civil informou, antes do fechamento desta edição, que não houve tempo suficiente para checar quem fez as despesas que não estão em nome de Gushiken e qual foi o motivo dos gastos. Em relação às notas emitidas a Gushiken, disse que ministros de Estado não recebem diárias para viagens nacionais e são ressarcidos por despesas em hotéis e restaurantes. Informou ainda que gastos com bebidas alcóolicas não são reembolsados. Além das despesas com hospedagens em São Paulo, os documentos enviados ao TCU mostram que os cartões corporativos pagaram pequenas guloseimas e pelo menos uma refeição na Belini, tradicional e sofisticada padaria de Brasília. A despesa ocorreu em 5 de janeiro do ano passado, pela Secom, e totalizou R$ 99,44. Na remessa de documentos obtida pelo TCU, outros gastos da Presidência referem-se à solicitação de biscoitos recheados de doce de leite, geléias de goiaba, laranja, morango, uva preta, e leite em pó desnatado instantâneo e vitaminado. Há ainda pequenos gastos, comprovados com notas fiscais, em pães de queijo, brioches e bolo de fubá. As despesas, apesar de curiosas, são legais. Na sexta-feira, o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) levantou a possibilidade de que a Presidência tenha usado notas "frias" para justificar saques em dinheiro com os cartões corporativos. A suspeita foi despertada por causa de notas emitidas pela FR Comércio Serviço e Representação, de Brasília. O cadastro da empresa na Receita Federal descreve sua atividade principal como venda de alimentos. Na nota supostamente "fria", ela alega a venda de R$ 732 em cartuchos para impressoras.