Título: As razões do salário mínimo de R$ 320 para 2006
Autor: Fabio Giambiagi
Fonte: Valor Econômico, 29/08/2005, Opinião, p. A10
O projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2006 estabelece que "o Orçamento da União incluirá os recursos necessários ao atendimento do disposto no artigo 7, inciso IV, da Constituição, garantindo-se aumento real do salário mínimo em percentual equivalente ao crescimento do PIB per capita em 2005". O salário mínimo (SM) é um parâmetro fundamental, porque é ele que regula o ritmo de crescimento das despesas previdenciárias em relação ao PIB, junto com a evolução do número de indivíduos que recebem benefícios previdenciários e, naturalmente, com o crescimento da economia (que afeta o denominador da razão despesas do INSS/PIB). Cabe lembrar que, em 2005, a relação entre o gasto e o INSS e o PIB aumentará substancialmente, em 0,3 % a 0,4 % do PIB na comparação com 2004, em que pese o fato de que, no primeiro semestre do ano, o SM terá tido o mesmo valor real que nos primeiros meses de 2004, uma vez que o aumento nominal de 8% da variável, de R$ 240 para R$ 260, revelou-se próximo da inflação média dos primeiros meses do ano em relação aos mesmos meses do ano passado. Em 2006, porém, ocorrerá o oposto e o salto do SM associado ao seu aumento para R$ 300 em meados de 2005, que impacta a segunda metade do ano, afetará já o primeiro semestre de 2006. Na ocasião, além da despesa do INSS estar "engordada" pelo acréscimo de 4% a mais de pessoas ao número de indivíduos que recebe benefícios do INSS (a caminho de 24 milhões) teremos o aumento real da ordem de 10% do piso previdenciário, resultante da comparação de um SM nominal mais de 15% superior ao de janeiro/maio de 2005, com uma inflação que na época, em 12 meses, deverá ser da ordem de 5%. Por isso, é importante que o SM não dê um novo salto real em maio, que potencialize ainda mais os efeitos que sobre a despesa previdenciária de 2006 já terão que ser verificados em função do efeito sobre o ano cheio do reajuste definido em 2005. Cabe lembrar que, nos 11 anos transcorridos desde a deflagração do Plano Real, o SM teve um aumento real acumulado de mais de 70%, fato a ser levado necessariamente em conta na definição de qualquer estratégia futura para a variável. Isto porque, admitindo que havia uma dívida social a ser saldada em 1994, o expressivo crescimento real do SM desde então implica que parte dela foi de certa forma "amortizada" nos anos posteriores à estabilização. Devemos evitar, portanto, ignorar esse fato no traçado e na definição das políticas sociais ao longo dos próximos anos. Em 2004, o INPC teve um aumento inferior ao do IPCA. Enquanto que este apresentou uma variação de 7,6% de janeiro a dezembro, o INPC teve um incremento de apenas 6,1%, em função do comportamento muito favorável dos alimentos, que têm um peso maior na composição do INPC que do IPCA. Por sua vez, nos últimos 12 meses até julho, o INPC aumentou em 5,8%, contra uma variação de 6,6% do IPCA. Vejamos o que se pode esperar para a evolução desse indicador no período relevante para a definição do futuro valor do SM em maio de 2006. Partimos da citada variação do INPC em 12 meses até julho (inclusive) de 5,8%. Admitindo que a economia tenha ingressado em uma rota de inflação anualizada, nos próximos meses, de 5,0%, isso corresponde a uma taxa de variação mensal média dos preços de 0,4%. Nesse caso, se em agosto o INPC ficar estável e a inflação média no período de setembro de 2005 a abril de 2006 for aquela, a taxa de variação do INPC - parâmetro de referência de inflação para efeitos de correção do SM - em 12 meses no período maio 2005/abril 2006 seria de 3,9%. O fato de essa inflação em 12 meses ser menor que 5,0% se explica pela estabilidade dos preços observada recentemente. Adicionalmente, dado que o crescimento do PIB em 2005 pode ser estimado entre 3,0% e 3,5% e que a expansão populacional é de 1,3% ao ano, a variação da renda per capita de 2005 pode ser calculada entre 1,7% e 2,2%. Combinando a hipótese de inflação em 12 meses - medida pelo INPC - de 3,9% com a mencionada variação real de 1,7% a 2,2% da renda per capita, chega-se a um reajuste nominal do SM a ocorrer no mês de maio de 2006 de 5,7% a 6,2%, o que levaria a variável a R$ 317/319 ou R$ 320 arredondados. Esse é o valor que corresponde, estritamente, ao que foi definido nos termos do projeto da LDO.
O país precisa aumentar investimento e diminuir gastos públicos, e esta é uma razão suficientemente forte para um aumento moderado do mínimo
Note-se, portanto, que enviar uma Medida Provisória (MP) ao Congresso, ano que vem, estabelecendo exatamente esse valor do SM, corresponderia pura e simplesmente a cumprir a Lei aprovada pelo Congresso e não a uma suposta determinação tecnocrática da burocracia econômica. Não há dúvida que haverá forças políticas, em 2006, que deverão pressionar para que, na ocasião, o valor a ser aprovado seja maior. Há três fortes razões, porém, pelas quais o governo deveria ser firme na defesa de um valor do SM de não mais do que R$ 320. Primeiro, o peso da despesa do INSS. Esta aumentou em 2,5% do PIB desde o lançamento do Plano Real e o aumento do SM foi um dos principais responsáveis por isso, sempre com o argumento de que "mais um pouco não faz mal". Com acréscimos a cada ano de 0,1% a 0,2% do PIB, o efeito de longo prazo de sucessivas elevações é extremamente oneroso. Segundo, o teto do gasto em 2006. O projeto de LDO define que as despesas correntes primárias, exclusive as transferências por repartição de receita, não poderão ser superiores a 17% do PIB. Portanto, aumentos adicionais do SM implicarão em corte de outras rubricas. E terceiro, o "mix" de despesa entre gastos correntes e de investimento. O país precisa aumentar a taxa de investimento e parte dessa agenda consiste em diminuir o peso do gasto corrente na composição da despesa total do governo, abrindo espaço para elevar o investimento público, o que sugere moderação no aumento do SM. Por tudo isso, é recomendável que o governo se prepare para a batalha do SM de 2006 e seja firme na defesa de um valor de R$ 320, sem acréscimos adicionais.