Título: Subestimado, Bush leva o país à direita
Autor: Carlos Eduardo Lins da Silva
Fonte: Valor Econômico, 29/10/2004, Internacional, p. A13

O republicano Presidente busca evitar destino de seu pai, que perdeu a reeleição após guerra no Iraque

George W. Bush teve, durante a maior parte da vida, um currículo que dificilmente poderia antever a conquista da Presidência dos EUA. Ao contrário de seus dois opositores na eleição de 2000 (Al Gore) e 2004 (John Kerry) e de seu antecessor (Bill Clinton), levou muito tempo para o interesse pela política se manifestar em Bush. Isso apesar de ser filho e neto de importantes líderes do Partido Republicano. Seu avô foi senador e quase candidato à Vice-Presidência. O pai foi presidente do Partido Republicano, diretor-geral da CIA, embaixador na China, vice-presidente por dois mandatos e presidente por um mandato. W - como costuma ser chamado nos EUA -, no entanto, até os 40 anos preferiu se dedicar aos negócios, nem sempre bem sucedidos e freqüentemente ligados ao petróleo, aos esportes (foi dono e presidente do time de baseball Texas Rangers) e a festas, nas quais - ele mesmo admite - com freqüência abusava nos drinques. Após a comemoração do quadragésimo aniversário e, aparentemente, numa formidável ressaca, resolveu alterar seus hábitos. Com o denodo que depois marcaria sua gestão como presidente, entregou-se a uma viagem espiritual que fez dele um cristão convicto. "Eu tinha um problema com a bebida. Há uma razão apenas por que eu estou agora no Salão Oval e não num bar: eu encontrei a fé, encontrei Deus", disse Bush a um grupo de religiosos, há alguns anos. A religião é uma das explicações para o sucesso político de Bush, que antes da Presidência governou o Texas de 1994 e 2000. Há muitas outras. Nascido em 6 de julho de 1946, em Connecticut, W certamente foi influenciado pelo ambiente caseiro, onde política sempre foi ingrediente fundamental. Primeiro presidente dos EUA com um MBA (de Harvard), Bush se diferencia brutalmente de Bill Clinton, não só em idéias, mas em estilo. Ele se comporta como um CEO, delega tarefas a seus assessores, muitos dos quais se destacaram mais em empresas do que no governo ou no Congresso, cumpre horários rigorosamente, cobra resultados com dureza. É fácil subestimar George W. Bush. E ele se beneficiou tanto desse erro de avaliação de opositores, analistas e do público em geral, que muita gente acha que mostrar-se menos competente do que é pode ter sido uma estratégia deliberada de sua parte. Foi assim em 2000. Poucos davam a Bush o favoritismo diante de Al Gore, um político brilhante desde quase a infância, que se preparara como poucos (talvez só John Kennedy pudesse ser comparável) para a Presidência. Mas o estilo autodepreciativo parece tê-lo aproximado do americano médio, que erra na gramática, usa argumentos simplórios para explicar problemas complexos, brinca com quase tudo, é simpático e bonachão. Bush ganhou a eleição de 2000, a mais controvertida da história dos EUA. Teve menos votos do que Gore no total do país, mas cinco a mais no Colégio Eleitoral, graças à contestada apuração na Flórida (governado por seu irmão Jeb), que só se tornou definitiva após o caso ter sido julgado pela Suprema Corte e decidido por 5 votos a 4. Pelas circunstâncias peculiares de sua vitória e o fato de os EUA terem praticamente se dividido ao meio (na votação para a Presidência, nas bancadas da Câmara e do Senado e nas decisões da Suprema Corte), esperava-se de Bush um governo moderado, conciliador. Ainda mais porque esta havia sido a marca de sua única experiência de administrador público anterior, a do governo do Texas, onde conquistara o apoio de democratas e republicanos. E porque esta havia sido sua promessa como candidato à Presidência (conservadorismo com compaixão, bipartidarismo).

Bush se comporta como um CEO, delega tarefas a seus assessores, cumpre horários, cobra resultados com dureza

Surpreendentemente, Bush passou desde o início do mandato à ofensiva, como se tivesse sido eleito por enorme e indiscutível maioria, na aplicação de uma agenda extremamente conservadora, tanto em política interna quanto externa. Com uma equipe basicamente formada por veteranos das administrações Reagan, Ford e Bush pai, o 43º presidente dos EUA demonstrou audácia e decisão que nem apoiadores poderiam esperar com tamanha intensidade. O 11 de setembro de 2001 lhe deu as melhores condições para radicalizar mais nesse caminho. Nas relações exteriores, a alternativa representada pelo grupo do secretário de Estado Colin Powell perdeu expressão diante dos neoconservadores liderados pelo vice-presidente Dick Cheney e secretário da Defesa, Donald Rumsfeld. A reação de Bush aos atentados, amplificada exponencialmente pela cultura política dos EUA, que privilegia a unidade nacional em torno da figura do presidente em períodos de crise e de guerra, deu a ele os mais altos índices de aprovação pública de todos os tempos durante parte de sua gestão. Mas a invasão do Iraque, que quase todos os analistas antecipavam, iria coroar essa popularidade e torná-lo imbatível no pleito pela reeleição, embora tenha sido um sucesso militar transformou-se num pesadelo político. O desastre do pós-guerra voltou a dividir os americanos. O fracasso na condução da paz reacendeu preconceitos contra o presidente e inflamou os que achavam que ele usara a tragédia do 11 de setembro apenas para acumular capital político em benefício próprio. Bush tentou reanimar seus aliados de primeira hora, os conservadores, com iniciativas como a proposta de emenda constitucional para banir o casamento entre homossexuais. Mas muitos conservadores se acharam traídos pela gestão Bush em pontos centrais da doutrina, como o equilíbrio fiscal e a defesa do livre comércio. O prestígio do presidente gerado pelo 11 de setembro lhe serviu de blindagem neste segmento, mas o desgaste vindo do Iraque o deixou menos imune a tal tipo de críticas. Além disso, há diversos outros problemas no front doméstico que diminuíram o apoio a Bush em segmentos da sociedade americana que fecharam com ele em 2000. O vexame da atual falta de vacinas contra a gripe o prejudica entre os idosos, o desemprego (Bush é o primeiro presidente desde Herbert Hoover, em 1932, que encerra o mandato com um número de desempregados maior do que o de quatro anos antes) entre a classe média baixa, a alta do preço da gasolina junto ao americano médio. É possível que nenhuma dessas dificuldades possa ser atribuída ao presidente. Mas a tendência de qualquer sociedade é culpar quem está no poder por tudo que enxerga como erro e que causa prejuízo. Fatores ainda positivos para Bush são: a imagem que mantém para no mínimo metade dos eleitores de que é mais decidido na luta ao terror, o agradecimento dos que se beneficiaram dos cortes de impostos que promoveu (embora as maiores vantagens tenham sido dadas aos mais ricos) e - mais uma vez - a empatia que o cidadão comum tem com seu líder. Outro trunfo é a primeira-dama, Laura. Como sua mãe, Barbara, a mulher de Bush ela é muito mais popular que o marido por ser discreta, parecer bondosa e razoável e corresponder à imagem ideal de mãe de família da maioria absoluta dos americanos. As filhas do casal, as gêmeas Barbara e Jenna, criaram alguns pequenos embaraços (como um caso de embriaguez) durante o mandato do pai, mas na campanha pela reeleição têm tido participação positiva. Na próxima terça, George W. Bush tentará fazer o que o pai não conseguiu: reeleger-se presidente dos EUA. Em 1992, Bill Clinton fez George H. sair da Casa Branca após uma bem-sucedida invasão do Iraque. Agora, Kerry, com o apoio de Clinton, espera repetir a façanha.