Título: Proposta acaba com inquérito
Autor: Fernando Teixeira
Fonte: Valor Econômico, 29/08/2005, Legislação & Tributos, p. E1

Penal Ministro defende projeto que cria Juizado de Instrução para crimes do colarinho branco

O ministro José Arnaldo da Fonseca, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), está em campanha por um projeto que vira do avesso a forma de apuração dos chamados crimes do colarinho branco, como o desvio de recursos públicos, crimes tributários, lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro. O projeto, lastreado numa proposta de emenda constitucional apresentada em 2004, acaba com a fase de inquérito policial, dá amplos poderes de investigação ao Ministério Público e permite ao juiz tomar a iniciativa no levantamento de provas. Segundo Arnaldo da Fonseca, a fase de investigação desses crimes, que hoje chega a demorar cinco anos, pode cair para cinco meses. A fórmula é inspirada em modelos adotados na Espanha e na França, trazendo uma queima de etapas processuais e a tentativa de evitar incidentes que arrastam o processo. Com o andamento mais rápido, é menor a chance de prescrição dos crimes, e o fim da fase de preliminar de inquérito evita a repetição das mesmas provas e depoimentos na fase judicial, o que pode até mudar o resultado do julgamento. "O inquérito policial só existe no Brasil e em alguns países da África sem tradição judiciária", afirma Fonseca. O modelo, destinado aos crimes de maior complexidade e poder ofensivo, atualiza a legislação atual, criada em 1941, que já não comportaria a evolução dos crimes praticados. Apesar das críticas ao modelo atual, o ministro diz que a proposta foi bem recebida por alguns delegados de polícia. O projeto teria ainda o apoio de outros ministros do STJ e, de acordo com Fonseca, também despertou interesse em reuniões realizadas com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. A proposta está na pauta nas discussões do seminário sobre combate à impunidade promovido pelo Conselho da Justiça Federal, que ocorre hoje e amanhã no STJ. Segundo a proposta encampada pelo ministro, o Juizado de Instrução Criminal substitui as funções da polícia judiciária, responsável pela formulação do inquérito. O juiz assume o comando da investigação, com poderes de determinar o levantamento de provas, caso ache necessário. "Hoje o juiz tem uma função passiva, só pode agir se incitado", diz. O Ministério Público, por sua vez, assume função preponderante na apuração dos crimes, e a polícia mantém a função de investigar e propor a apuração de provas, mas subordinada ao Juizado. Uma vez produzida a denúncia, ela será encaminhada a outro juiz para a decisão final. No modelo de investigação atual, os criminosos do colarinho branco conseguem atrapalhar o andamento do processo e muitas vezes acabam escapando da condenação, diz Arnaldo da Fonseca, graças à ajuda de advogados habilidosos. Ao longo do inquérito, são inseridos vários incidentes processuais, e depois de apresentada a denúncia a investigação é toda questionada com a alegação de irregularidades, como a falta de contraditório. Na prática ocorre uma duplicação da fase de investigação. Nessa nova apuração, que ocorre anos depois, as provas podem ser modificadas, depoimentos alterados e a atenção da opinião pública fica de fora. Na Espanha, diz o ministro, um crime de evasão de divisas leva um ano para ser julgado.