Título: Um risco para as exportações brasileiras de carne
Autor: Francisco Turra
Fonte: Valor Econômico, 29/10/2004, Opinião, p. A14

Investimentos insuficientes em defesa sanitária animal podem prejudicar metas

Garantir que os rebanhos nacionais estejam livres de doenças é uma exigência do importador e uma obrigação do país que exporta. Infelizmente, o que parece obviedade não tem merecido tratamento adequado pelas autoridades brasileiras. A decisão russa, de embargar as carnes brasileiras, impôs ao Brasil perdas diárias de US$ 4 milhões em exportações e trouxe à luz um problema secular do campo: a falta de investimento em defesa sanitária animal e vegetal. Recentemente, o país deu mais uma demonstração de como pretende lidar com o problema. O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, lançou, no Rio Grande do Norte, o Projeto Piloto de Educação Sanitária Brasil Livre de Febre Aftosa. Já é sabido que, para não resolver um problema premente, basta criar uma comissão ou apresentar um projeto. Mas a iniciativa, que sem dúvida tem o seu valor, foi tomada na hora errada. Agora é o momento de agir em favor do presente e evitar que novos focos de aftosa, como os ocorridos recentemente no Pará e no Amazonas, manchem a imagem do Brasil e prejudiquem as exportações. Dessa vez foi a Rússia, mas não podemos dar margem para que outros países venham a adotar medidas semelhantes. Vale lembrar que o Brasil pleiteou em março deste ano, à Organização Mundial da Saúde Animal, a ampliação de sua parcela do rebanho considerada livre da febre aftosa, de 85% para 92%. A organização, no entanto, solicitou informações complementares sobre a sorologia da região. A intenção do Brasil é incluir o Acre e o Sul do Pará como áreas livres da doença, mas a ocorrência de um foco neste último poderá atrapalhar os planos brasileiros. Informações detalhadas sobre o sistema de defesa sanitária animal também foram solicitadas pelo governo russo ao Ministério da Agricultura. Porém as cifras que o Brasil precisa apresentar não são motivo de orgulho. Pelo contrário, os recursos repassados pelo Ministério da Agricultura aos Estados, responsáveis pela execução das ações de defesa sanitária, são irrisórios frente às necessidades. Segundo dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), os valores atualmente repassados aos Estados são 30% inferiores aos repasses feitos em 1998. Em 2003, foram investidos R$ 89 milhões e, em 2004, houve repasse de R$ 68 milhões, posteriormente complementados com outros R$ 44 milhões. É um volume baixo para manter a qualidade e a imagem da produção animal brasileira diante da condição vulnerável em que se encontra. Há que se considerar ainda que parcela significativa desses recursos são utilizados na manutenção das estruturas estaduais do Ministério da Agricultura, incluindo gastos com a rede laboratorial, também deficiente. Reunidos durante a Expointer, umas das mais importantes feiras agropecuárias da América Latina, os secretários da Agricultura de vários Estados e dirigentes de entidades do setor manifestaram sua preocupação em relação ao tema. A apreensão foi levada ao ministro do Planejamento, Guido Mantega, que se mostrou sensível às reivindicações. Mas no Orçamento para 2005, que está chegando ao Congresso, o governo sinaliza com somente R$ 150 milhões para a defesa sanitária animal e vegetal. Esse valor é apenas metade do que os Estados necessitam. Certamente haverá forte mobilização no Congresso para o país tentar fortalecer os investimentos nessa área.

A decisão russa de embargar a carne brasileira impôs ao país perdas diárias de US$ 4 milhões

Difícil esquecer que o bloqueio russo foi motivado pela descoberta de novos focos de febre aftosa no Pará e no Amazonas, apesar de os Estados não serem exportadores de carne bovina. Não podemos ser ingênuos e descartar a existência de outras motivações por trás da decisão russa. Mas, independentemente da motivação, o estrago está feito. Sem cuidados especiais, fica no mínimo difícil evitar as barreiras sanitárias impostas pelos países compradores das carnes e de outros produtos de origem animal. Não podemos nos descuidar nem um minuto, já que em países vizinhos, como a Bolívia e o Paraguai, existem focos de aftosa. O resultado do descaso é ruim para os produtores e para o Brasil. O governo deveria considerar a defesa sanitária agropecuária como um investimento de retorno garantido. A aplicação de tratamentos preventivos garante não apenas a manutenção, mas também a conquista de mais mercados para o produto nacional. Os criadores têm feito a sua parte. Ano após ano, as campanhas de vacinação tornam-se mais vigorosas, a produção aumenta e as vendas ao exterior crescem. Cabe ao governo fazer a sua parte e destinar aos Estados recursos suficientes para que eles possam gerenciar seus programas de produção animal. Trata-se de um trabalho intenso de controle dos rebanhos. A fiscalização do trânsito interno e externo nas barreiras sanitárias nas divisas de cada Estado e nas fronteiras com os países vizinhos é medida fundamental para garantir a saúde dos rebanhos. A inspeção sanitária de produtos de origem animal é igualmente importante. Em caso de contaminação, os Estados precisam estar aparelhados para atender os focos de enfermidade com rapidez a fim de evitar que a doença se espalhe. Além disso, é indispensável investir na educação sanitária para saúde animal e prestar atenção no treinamento de técnicos e criadores. Sem esse conjunto de ações será difícil para o maior país da América Latina dividir espaço com seus concorrentes na competitiva vitrine dos exportadores mundiais. Somente com Estados bem aparelhados, preparados para desenvolver um programa intenso de ações de vigilância epidemiológica e com número suficiente de veterinários e técnicos, a estrutura produtiva nacional terá incentivo para investir e crescer. E, dessa forma, o Brasil poderá manter sua condição de um dos maiores exportadores de carnes do mundo. Os produtores precisam dessa motivação para continuar investindo. E o Brasil precisa desse suporte para continuar crescendo e gerando emprego e renda, temas tão defendidos pelo atual governo.