Título: Emergentes têm espaço de menos no FMI
Autor: Cristiane Perini Lucchesi
Fonte: Valor Econômico, 24/08/2005, Finanças, p. C8

Sistema Financeiro Para ex-economista-chefe do Fundo, Ásia e América Latina estão sub-representadas

Os mercados emergentes, principalmente na Ásia, mas também na América Latina, estão sub-representados no Fundo Monetário Internacional em relação à sua participação na economia mundial. "O G-7 (grupo dos sete países mais ricos do mundo) é um anacronismo completo" e deveria contar com a participação da China, Brasil e Índia. "É necessário fazer uma mudança ampla na governança global." Essa é a visão de Kenneth Rogoff, economista-chefe do FMI de agosto de 2001 a setembro de 2003 e hoje professor da Universidade de Harvard. Defensor do superávit fiscal primário (sem contabilizar juros) para o Brasil, pois "as taxas de juros são muito voláteis e é muito difícil controlá-las", Rogoff acredita que uma das medidas que mais ajudaria o país a baixar juros seria reduzir a dívida pública. Como os impostos no país são elevados, afirma, a idéia seria reduzir gastos. Ele admite, no entanto, que agora não é "um momento muito tranqüilo para trabalhar neste tipo de tarefa". Rogoff, que acabou de chegar da China, virá ao país para fazer palestra no 2º Congresso Internacional de Derivativos e Mercado Financeiro promovido pela Bolsa de Mercadorias & Futuros, que começa hoje e vai até o sábado, em Campos de Jordão, no interior do Estado de São Paulo. Por telefone, dos EUA, ele concedeu a seguinte entrevista ao Valor: Valor: Por que os mercados estão calmos em meio à crise política? Rogoff: Eu tenho uma visão de quem está fora do país. Percebo que o Brasil amadureceu consideravelmente nos últimos dez anos. As políticas econômicas autodestrutivas são menos prováveis do que no passado, mesmo com a crise política. Uma política macroeconômica mais estável foi adotada pelo presidente Cardoso e foi seguida pelo presidente Lula, o que foi um grande passo para o Brasil, deu muita credibilidade ao país. Dito isso, é importante notar que os prêmios na dívida do Brasil ainda são bem substanciais e os juros reais no Brasil ainda são muito altos. O mercado já incorporou nos preços alguma possibilidade de a crise se tornar bem pior em algum ponto. Valor: Há muitos fundos de hedge (menos avessos a risco) vendendo dólar contra reais no mercado futuro. O sr. vê algum risco para a economia brasileira nisso? Rogoff: O fato de o Brasil ter uma taxa de câmbio flexível lhe dá um grande grau de isolamento de qualquer problema. No passado se os fundos de hedge estivessem colocando dinheiro dentro e fora do Brasil isso imediatamente provocaria uma crise no câmbio. Agora, isso provoca movimentos na taxa de câmbio, mas isso não necessariamente tem grande impacto na atividade econômica. A transferência das oscilações das taxas de câmbio para os preços está longe de ser um para um. Mesmo que a taxa de câmbio esteja oscilando, seus efeitos na economia real não são tão dramáticos como pareciam ser. O fato de o Brasil ter uma sistema de câmbio flutuante e um regime muito sofisticado de metas de inflação significa que há um limite no estrago que o "hot money" (investidor mais agressivo de curto prazo) pode causar. Além disso, os mercados financeiros brasileiros são muito sofisticados e isso de longe é uma vantagem que o Brasil tem versus muitos outros mercados emergentes. Mas, se mesmo assim você visse dinheiro entrando e saindo do Brasil em uma quantidade alarmante, você teria de prestar atenção nisso. Eu não acho que esse é o caso. Mas, realmente, há mais fundos de hedge hoje no Brasil do que havia antes. Valor: Quais são os maiores riscos para a economia brasileira? Rogoff: Há sempre um risco de a crise política piorar. Se as reformas continuassem a acontecer e a economia continuasse a amadurecer, isso levaria a um cenário muito melhor. Eu acho que outros riscos para o Brasil vêm da economia mundial. Há um crescimento econômico global muito forte neste momento, com a demanda pelos produtos brasileiros da China e Europa. Tudo que levasse a uma repentina redução no ritmo de crescimento econômico global poderia representar risco para o Brasil. Uma puxada brusca nos juros globais seria problemática, pois, apesar de a relação entre a dívida e Produto Interno Bruto brasileiro ter caído continuamente, a relação entre a dívida e a receita no país é muito grande e uma puxada nos juros poderia ser muito dolorosa. Não parece que isso vai acontecer, mas esse deve ser provavelmente o principal risco que o país enfrenta hoje. Valor: Na sua visão, qual a política que o Fed (banco central dos EUA) vai adotar no que diz respeito às taxas de juros americanas? Rogoff: O Fed vai continuar a subir os juros de curto prazo e eu espero que eles estejam em 4,25% ao no final deste ano (são de 3,5% hoje) e continuem subindo no próximo ano. Mas, ao mesmo tempo, eu não acho que os juros de longo prazo vão crescer mais do que proporcionalmente. Ou seja, se as taxas do Fed sobem 0,75 ponto percentual, eu acho que os juros de longo prazo vão subir 0,75 ponto. E eu acho que é o juro dos títulos do Tesouro dos EUA de dez anos que realmente importa para o Brasil, não o juro de curto prazo do Fed. Valor: Qual a razão para o juro de dez anos nos EUA estar baixo? Rogoff É um enigma para todos. É uma questão grande e complicada. Há uma enorme liquidez internacional e muita dessa liquidez está nas corporações. As corporações estão nadando em lucros, mas não estão reinvestindo na produção na proporção que faziam normalmente. Ninguém realmente entende isso. Há muita incerteza, mas provavelmente a melhor aposta é de que a situação não vai mudar de uma hora para outra. Valor: Qual é, na sua visão, a melhor teoria a respeito? Rogoff: Há inúmeras teorias e várias delas são plausíveis. Uma é o envelhecimento das populações dos países ricos, especialmente fora dos Estados Unidos, tornando o investimento menos lucrativo do que ele era. Além disso, por causa da globalização, o preço do investimento em bens de capital veio caindo. Os computadores são o exemplo mais dramático, mas isso é verdade em muitos casos de bens de capital. Dessa forma, projetos de investimento custam menos do que eles custavam anteriormente. Ou seja, as empresas não estão necessariamente investindo menos em termos reais, mas sim em termos nominais. E um terceiro fator, no qual eu pessoalmente acredito, é que, depois dos atentados terroristas em Nova York do dia 11 de setembro de 2001, as firmas em todo o lugar do mundo estão começando a considerar a possibilidade de uma crise geopolítica para os próximos cinco a dez anos. Essa crise viria do terrorismo, da guerra no Iraque e no Afeganistão saindo do controle. Valor: O sr. vê risco para o sistema financeiro internacional se a China mudar o sistema de câmbio? Rogoff: Eu acho que um sistema de câmbio mais flexível provavelmente reduz a chance de uma crise em vez de aumentar. Eu acho que hoje a pressão da taxa de câmbio na China neste momento é para cima, mas eu acho que em algum dia ela pode ser para baixo. Parte da razão para uma pressão de alta tão forte na taxa de câmbio na China é por causa de seu controle de capitais assimétrico, pois o dinheiro pode entrar no país facilmente, mas não pode sair facilmente. E com o passar do tempo, à medida que a China for se tornando mais globalizada, ela não vai conseguir manter um aperto tão grande no fluxo de saída de capitais. E eventualmente, se eles insistirem em uma taxa de câmbio fixa, eles serão vulneráveis a uma crise com uma depreciação. Valor: A mudança no câmbio da China não teria impacto sobre as reservas do país e sobre a compra dos títulos do Tesouro dos EUA, puxando os juros americanos para cima?

As corporações estão nadando em lucros, mas não estão reinvestindo na produção na proporção que faziam antes "

Rogoff: Eu acho que há um exagero nessa teoria. A China tem mais de US$ 500 bilhões de reservas e eles terão provavelmente um fluxo de ingresso de capitais de cerca de US$ 100 bilhões neste ano. No final do ano, as reservas da China vão provavelmente passar as do Japão. Os investidores viram uma pequena apreciação do câmbio na China neste ano e estão esperando mais, então deve estar acontecendo agora uma entrada ainda maior de "hot money" (capital de curto prazo menos avesso a risco) na China do que antes. Os controles de capitais tendem a ser pobres mesmo na China, apesar das penas fortes. As recompensas são grandes também para escapar dos controles de capitais. Então, eu não acho que as coisas vão acontecer dessa forma no curto prazo. Mas, no longo prazo, quando a China se libertar da intervenção artificial no câmbio, sim, isso provavelmente vai levar os juros americanos a subir. Mas o efeito provavelmente não vai ser tão dramático. A típica estimativa é que se todos os bancos centrais da Ásia venderem o impacto seria de 40 pontos básicos. É significante, mas não é a razão principal para os juros de dez anos estarem tão baixos. A principal razão é que o investimento global está surpreendentemente baixo, as firmas na Europa, na Ásia, estão ainda relutantes em investir seus lucros crescentes. Valor: O sr. vê algum perigo de uma crise de dívida em mercados emergentes que afete o Brasil? Rogoff: Da forma que a economia global está neste momento é bem pouco provável que nós vejamos qualquer mercado emergente derreter no curto prazo. Ainda menos provável é uma crise que afete o Brasil. Parte da razão para isso é que o grande país problema deste momento não é um mercado emergente, mas sim os Estados Unidos. E os déficits comercial e de conta corrente americanos colocam uma pressão grande nas moedas dos países emergentes. E, enquanto a pressão é para cima, é muito mais difícil ter uma crise do que quando a pressão é para baixo. Valor: As taxas de juros altas no Brasil preocupam? Rogoff: Os juros altos são o preço que o Brasil está pagando pelas políticas macroeconômicas "exóticas" que adotou nos anos 80 e início dos anos 90. E embora a credibilidade tenha crescido, a questão ainda não passou. Eu acho que, se a crise política acabar e a economia continuar a ir à frente, nós poderemos ver uma queda bem forte nos juros. Mas isso realmente está demorando mais do que se poderia esperar. Os juros são realmente um problema e o crescimento seria maior de outra forma. Mas as taxas altas são mais conseqüência de erros do passado do que alguma coisa que tenha sido feita de errado no presente. Valor: O sr. acha melhor o país perseguir uma ampliação no superávit fiscal primário ou buscar um déficit nominal zero? Rogoff: A razão para focar no superávit fiscal primário é que as taxas de juros são muito voláteis e é muito difícil controlá-las. E se espera que, ao estabilizar o superávit fiscal primário, as taxas de juros se alinhem e dessa forma o país consiga um déficit nominal que se estabilize também. Uma das coisas que ajudaria mais o Brasil a baixar os juros seria trazer o nível de sua dívida para baixo. A relação entre a dívida pública e PIB, embora tenha melhorado, ainda está acima de 50%. Os países que escaparam da armadilha de altas taxas de juros e baixa credibilidade o fizeram trazendo o nível de sua dívida para baixo, 30% ou menos do PIB. Os países que se aliaram à União Européia conseguiram fazer isso de outra forma. Mas há dúvidas sobre o futuro da União Européia hoje. Valor: Como conseguir reduzir a dívida do Brasil neste momento? Rogoff: Acho que agora não é um momento muito tranqüilo para trabalhar neste tipo de tarefa. Quando a economia está crescendo, o governo tem de continuar reduzindo gastos. Isso em um período no qual o emprego está se expandindo largamente. Por isso, esse é um momento difícil de controlar o déficit. Eu quero dizer: o Brasil já tem impostos elevados. Mas os gastos são elevados. Certamente deve haver espaço para controlar gastos, mais do que foi feito no passado. Mas, essa não é uma tarefa fácil. Valor: O sr. vê algum grande desafio para o FMI neste momento? Rogoff: Um grande desafio para o FMI é o crescimento da participação da Ásia na economia global. No FMI, no Banco Mundial e mesmo no Banco Asiático de Desenvolvimento a participação da Ásia não foi ajustada. A Ásia está muito sub-representada nesses organismos. E os mercados emergentes, principalmente da Ásia e talvez da América Latina também, estão muito sub-representados em relação à sua participação na economia mundial. Para que esses organismos mantenham sua relevância no futuro, eles vão ter de achar uma forma de consertar isso. O FMI precisa ter influência na Ásia e os asiáticos precisam sentir que o FMI é uma organização deles, assim como é de outros países. E nesse momento você olha para o tamanho da economia deles e para o tamanho dos votos deles. Isso precisa ser balanceado de novo. Os europeus é que têm ficado no caminho. Eles têm de dar espaço para os outros países do mundo. Valor: Os países da América Latina também estão com menos votos do que deveriam? Rogoff: Os países da América Latina não estão tão fortemente sub-representados relativamente ao seu tamanho na economia global como os países asiáticos, mas é provável que sua participação nos votos devesse ser aumentada também. Mas o problema dramático é na Ásia. Eles são mais de um terço da economia global e eu não acho que eles têm mais do que 15% dos votos no FMI. Os EUA têm 17% dos votos no FMI e a Europa tem 30% e esse é realmente o grande problema. Valor: E no Banco Mundial? Rogoff: Chegou o dia no qual o presidente do Banco Mundial não deveria ser sempre necessariamente um americano. O dirigente principal do FMI também não deveria ser obrigatoriamente um europeu. Mas essas organizações ainda não atingiram o grau de maturidade para isso. Eu acho um desastre para essas organizações esse tipo de determinação. O que aconteceria com a ONU se o chefe tivesse de ser um americano ou um europeu? Valor: O sr. acha que o próprio FMI sai prejudicado com isso. Rogoff: Isso prejudica o FMI na Ásia. Hoje, Taiwan tem mais dinheiro que o FMI. Os países asiáticos têm muitas reservas e são muito saudáveis e importantes. O FMI precisa ter influência na Ásia, pois é uma região crítica. É uma questão de manter sua importância. Se o FMI ficar marginalizado na Ásia, ele não será efetivo na economia global. Isso não é apenas o FMI, é também o G-7. O G-7 é um anacronismo completo. A Europa reivindica ser uma entidade só e os europeus têm quatro países representados. Se eles querem ser uma organização que fala de economia, a China deveria estar lá. E eu acho que a Índia e o Brasil deveriam estar lá também. É necessário fazer uma mudança ampla na governança global. Não é apenas o FMI - é bem mais amplo do que isso.