Título: Juros altos nem sempre facilitam a gestão de recursos
Autor: Mauro Slemer
Fonte: Valor Econômico, 24/08/2005, EU &, p. D2

O Brasil é um país singular, com um mercado singular e com reações surpreendentes. Há muito se vem prolongando no país, por exemplo, uma política econômica que mantém as taxas de juros em patamares altos, altíssimos, muito acima do que qualquer mercado amadurecido permitiria. Mas esse mesmo mercado se comporta - e bem - apesar da Selic, que verga, mas não baixa. Os gestores reclamam, projetam, apontam as ingerências, mas ninguém deixa de reconhecer que, num cenário como esse, a gestão de recursos acaba sendo facilitada via alocação de uma boa parte da carteira em títulos públicos, o que traz uma boa rentabilidade com baixo risco. Essa política de juros altos, porém, todos sabem, não se sustenta no médio ou no longo prazo e o estoque de títulos do governo também é finito - pode escassear muito até o fim desta década. Sendo assim, é de se esperar uma queda gradual das taxas de juros a partir da próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). A inflação controlada corrobora essa análise. Nessa iminente realidade de taxas de juros declinantes, cresce a importância do gestor, que precisa ser cada vez mais criterioso e rigoroso na busca das alternativas de investimento mais adequadas ao perfil de cada aplicador. Diversificar a carteira não é tão simples quanto não pôr todos os ovos numa mesma cesta, já que há de se analisar desde o mais conservador risco público, passando pelas empresas tradicionais, até os fundos de "venture capital" (capital de risco). Trata-se de um processo estratégico que demanda profissionais capacitados para avaliar e otimizar os riscos e o retorno dos investimentos. Quando a gestão dos recursos é terceirizada, é recomendável ainda que se estabeleça um vínculo duradouro entre investidor e gestor, o que é uma condição essencial para o sucesso de estratégias traçadas visando o longo prazo. E todo bom gestor tem uma visão ampla, fixada no futuro, sem deixar de lado as variáveis do presente. Os fundos de empresas emergentes, com possibilidade de listagem em bolsa - os chamados "private equities" - são alternativas baseadas na melhoria das práticas de Governança Corporativa das empresas. Assim, as companhias podem entrar no mercado acionário em que, além dos tradicionais setores de bancos, telefonia, siderurgia e mineração, é preciso levar em conta atualmente também os de medicina, biotecnologia, serviços e varejo. Para os investidores qualificados, assim definidos pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), consideram-se ainda os Fundos de Investimento de Direitos Creditórios (os FIDC). Mais conhecidos como fundos de recebíveis, eles são instrumentos de estrutura mais moderna (custo menor para empresas que não conseguem captar e não comportam estruturas mais complexas) e que, por isso mesmo, devem ocupar espaços antes destinados à compra de debêntures. Além da menor carga tributária e de custo de estruturação, o FIDC proporciona maior segurança já que o patrimônio do fundo é desvinculado dos cedentes dos créditos (vide caso Parmalat, por exemplo). Na análise de títulos privados, conforme a situação e o investidor, o gestor precisa sempre decidir entre os pré e os pós-fixados. Esses últimos implicam menores riscos, mas também ganhos menos polpudos, na maior parte das vezes. São opções para os que temem que os estilhaços da crise política afetem a economia a ponto de elevar a inflação e inverter a tendência, fazendo a Selic subir. Os prefixados, por sua vez, ganham terreno neste momento em que se espera - quem sabe no próximo trimestre! - a queda da Selic. Os desdobramentos da crise política em Brasília não implicam, necessariamente, a ocorrência de uma crise institucional. Em função da relativa calma em relação à inflação, parece mais relevante, em relação à queda dos juros, o acompanhamento do ambiente externo. Maiores incertezas no mundo podem ser a gota d'água que disparará movimentos defensivos. Com a eventualidade da deterioração da situação política e conseqüente reversão da hoje excelente liquidez de recursos externos, pode-se avaliar a possibilidade de aplicar parte dos recursos em "seguros", ou seja, aplicações atreladas ao câmbio. O cenário hoje se vê assim, singular como o país, e deve ficar ainda mais complexo - exigindo gestores mais competentes - diante do próximo ano, que é eleitoral. As reações, por sua vez, bem como o mercado, devem continuar surpreendentes se não houver um gestor atento de olho no longo prazo, bem embasado para analisar com a precisão possível as melhores alternativas para cada investidor.