Título: Juro alto é o grande problema, mas solução da questão divide analistas
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 30/08/2005, Brasil, p. A3

Retomar o crescimento a taxas robustas é o grande desafio do Brasil, e o principal obstáculo para atingir essa meta são os juros reais elevados. Esse diagnóstico é mais ou menos consensual, mesmo entre economistas de diversas tendências, como Pérsio Arida, Delfim Netto e João Sayad. As análises das causas e as receitas para derrubar os juros, porém, estão longe da unanimidade. Em seminário realizado ontem na FEA-USP, o deputado federal Delfim Netto (PP-SP) atacou o desequilíbrio fiscal e defendeu a proposta de déficit nominal zero como caminho para reduzir as taxas reais; Arida, ex-presidente do BC, insistiu na tese da incerteza jurisdicional e da falta de plena conversibilidade da moeda; Sayad, vice-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), atribuiu o nível dos juros a erros de política monetária. Delfim e Sayad rechaçaram a idéia de que o Brasil não pode crescer mais do que 3,5% sem gerar pressões inflacionárias, tese defendida por economistas ortodoxos. Delfim disse que isso é um "axioma construído por meio de uma ficção" e ironizou os modelos econométricos que apontariam riscos num crescimento acima de 3,5% ao ano. Ele lembrou que, entre 1950 e 1985, o país cresceu a uma média de 6,3%. De 1985 para cá, a média foi de 2,3%. Sayad insistiu na importância de o país crescer a taxas mais robustas para enfrentar a violência e o desemprego. Disse que, nos últimos anos, a taxa de juros tem impedido que o Brasil aproveite uma onda positiva, ainda que instável, do desenvolvimento global. Delfim insistiu que a solução passa pelo comprometimento do governo com o equilíbrio fiscal em termos nominais, ou seja, incluindo os gastos com juros. "O importante é encontrar um mecanismo que convença a sociedade de que o déficit público vai terminar e a relação dívida/PIB vai continuar a cair. Sem isso, você nunca vai baixar os juros", afirmou, defendendo a proposta de déficit nominal zero. Para Sayad, fatores como a questão fiscal e a incerteza jurisdicional "podem se somar" para explicar o nível dos juros no Brasil, mas o principal motivo é outro: erros de política. Segundo ele, seria possível obter, com juros mais baixos, os mesmos resultados em termos de inflação. Arida não mostra muita simpatia por essa idéia. Para ele, é possível, do ponto de vista teórico, que uma economia tenha "mais de um equilíbrio". Em outras palavras, seria admissível que, mesmo com juros bem menores, a inflação não fosse muito diferente da atual. A questão, segundo ele, é que "sem nenhuma evidência econométrica satisfatória, nenhum BC vai se dispor a reduzir drasticamente os juros de um dia para o outro, porque ele não sabe onde está o segundo equilíbrio e nem se existe". Como avalia que não há nada "intrinsecamente errado" com o tripé macroeconômico formado por superávit primário elevado, câmbio flutuante e metas de inflação, Arida acha que os problemas são outros, apontando a incerteza jurisdicional (risco de que o governo e Justiça intervenham de forma arbitrária na economia) e falta de conversibilidade plena da moeda. Resolver essas questões ajudaria a reduzir os juros reais brasileiros, afirmou, apontando também a importância de reformas no mercado de trabalho. Delfim mostrou ceticismo quanto à questão da incerteza jurisdicional. Para ele, esse risco poderia fazer os juros brasileiros serem um pouco superiores aos de outros países, mas não explica por que as taxas reais por aqui são mais do que o dobro das registradas em outros lugares. Arida disse que o grande desafio do país é evitar a repetição do passado, em que ciclos de crescimento geravam desequilíbrios macroeconômicos. Ele notou que o resultado mais fraco da economia depois de 1985, por exemplo, derivou de desequilíbrios acumulados nos anos anteriores, como dívida externa e inflação.