Título: Congresso aprova festival de despesas indevidas na LDO
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 30/08/2005, Opinião, p. A14
O governo precisa ter a máxima cautela sobre os gastos programados para 2006. Além da obrigação cotidiana de zelar pelo montante e qualidade das despesas, há desafios que impõem agora um rigor redobrado. A base governista esfacelou-se no Congresso, em meio a escândalos que a desmoralizaram e o PT, o articulador da aliança dos partidos envolvidos em denúncias de corrupção, está atônito e perdeu a maior parte de sua capacidade de iniciativa. Além disso, 2006 é um ano eleitoral, quando as pressões por dispêndios devem crescer. Uma das formas que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem de reafirmar a austeridade de seu governo é impor vetos a alguns pontos da Lei de Diretrizes Orçamentárias, aprovada pelo Congresso na semana passada. A lei estabelece as premissas do próximo Orçamento e nela há ameaças de variada intensidade às contas públicas. A da implosão base de apoio governista no Congresso facilitou a chancela a vários aumentos de despesas e agora compete apenas ao presidente impedi-los. A maior tentativa de assalto aos cofres públicos veio da bancada ruralista, que obstruía a votação da LDO - referendada com dois meses de atraso. Não satisfeitos com a prorrogação dos débitos que venceriam no início deste segundo semestre, os ruralistas estabeleceram na LDO a necessidade de recursos em 2006 para uma renegociação geral e irrestrita das dívidas agrícolas. Trata-se de uma escalada em etapas em busca de vantagens indevidas. Ao reservar espaço para seus pleitos abusivos na LDO, a bancada conta com aprovação no Congresso de um projeto neste sentido. A Comissão de Agricultura da Câmara já deu o sinal verde para a reestruturação e alongamento desses débitos, incluídos os que já foram objeto de renegociação em 2001. O governo agiu, com a morosidade de sempre, para prorrogar os débitos dos agricultores afetados pela seca no Rio Grande do Sul e no Centro-Oeste. Essa reivindicação era justa e foi de certa forma atendida. Outra coisa muito distinta é dar novas regalias a contumazes maus pagadores, que fizeram do calote aos bancos públicos uma rotina, em especial grandes produtores rurais. Os números comprovam que a renegociação tem servido a muitos agricultores de pretexto para não pagarem nunca suas dívidas. Segundo "O Estado de S. Paulo", da primeira negociação, em 1995, metade dos débitos não foram quitados já na primeira parcela. Na de 1998, o calote alcançou 70%. Em 2001, nova renegociação e o índice de inadimplência atinge hoje 46%. Com o agravante de, neste último período, a agricultura ter se capitalizado expressivamente, ao longo de safras sempre crescentes e com preços bastante compensadores. Cálculos preliminares da conta que se tenta agora espetar no Tesouro chegam à casa dos R$ 13 bilhões. Os congressistas conseguiram também aprovar algo que raramente tentam - que as emendas individuais dos parlamentares não sejam objeto de contingenciamento. Essa "blindagem" de interesses particulares, que torna impositivos os gastos propostos, deve ser destruída. É função dos congressistas apontarem os projetos que julgam necessários para o país e para sua região. O Executivo sempre teve de bloqueá-las não apenas porque faltam recursos para tantas demandas, mas porque, e principalmente, os projetos são em geral paroquiais e não atendem a qualquer senso de prioridade. A conta estimada das emendas é da ordem de R$ 3,5 bilhões. Há pontos negociáveis, embora a orientação de austeridade deva prevalecer. A garantia de aumentos para o funcionalismo da ordem da evolução do PIB per capita não traria gastos absurdos (inferiores a R$ 2 bilhões). O problema é que o governo vem cedendo diante de greves de várias categorias e a rubrica dos gastos correntes está crescendo razoavelmente, quando deveria declinar para dar espaço aos investimentos. Por outro lado, não parece nociva a proibição de contingenciamento dos recursos destinados às agências reguladoras, que têm sido tratadas a pão e água e nunca gozaram de prioridade no governo Lula - pelo contrário, o que prevalece em relação a elas é uma silenciosa hostilidade. É possível que, se o presidente da República vetar as principais agressões ao dinheiro público esboçadas na LDO, sobre algum espaço para a acomodação das verbas para o funcionalismo e as agências. O governo tem de endurecer na defesa de uma LDO que mantenha o aperto fiscal, com ou sem crise.