Título: Diretrizes antitruste e propriedade intelectual
Autor: José Carlos Vaz e Dias
Fonte: Valor Econômico, 30/08/2005, Legislação & Tributos, p. E4

"Criou-se a falsa presunção de conflito entre o direito da propriedade intelectual e a livre concorrência"

Por um longo período, prevaleceu o conceito de que os direitos da propriedade intelectual, principalmente aqueles decorrentes da concessão de patentes, conferiam poder de mercado ao seu titular, criando monopólios sobre atividades econômicas e restringindo a competição mercadológica. Por essas e outras razões, o revogado Código da Propriedade Industrial - a Lei nº 5.772, de 1971 - limitou o campo de proteção a diversos desenvolvimentos tecnológicos, como os fármacos, e procurou flexibilizar as regras da licença compulsória e da caducidade. Além disso, o tenebroso Ato Normativo nº 15, de 1975, listou diversas cláusulas que estavam proibidas nos contratos de exploração tecnológica, sem qualquer consideração à prevalência de seus aspectos pró-competitivos. Isso tudo foi suficiente para criar a falsa presunção de conflito entre o direito da propriedade intelectual e a livre concorrência. Na verdade, os propósitos são comuns na medida em que promovem a eficiência industrial e mercadológica, motivam o desenvolvimento tecnológico e otimizam as relações de consumo com benefícios para os consumidores. Aliás, um ambiente de intensa rivalidade empresarial é importante para que novos conhecimentos tecnológicos sejam desenvolvidos e explorados no mercado. A eficiência empresarial por meio da adoção de processos tecnológicos para racionalizar os meios de produção (trabalho, capital e insumos) estimula a competição entre concorrentes e fomenta a criação de mercados secundários e a substituição de produtos e serviços. É nesse raciocínio que o direito da propriedade - inclua-se a propriedade intelectual - é complementar à livre concorrência e vice-versa e, conseqüentemente, são considerados princípios da ordem econômica brasileira, nos moldes do artigo 170 da atual Constituição Federal. A concessão de uma patente ao criador/titular de uma invenção tecnológica, por exemplo, que envolve a exclusão de terceiros para a produção, não confere necessariamente um monopólio ou mesmo um poder de mercado para esse titular e nem pode ensejar uma presunção de abuso de direito. Para a constatação de monopólio, torna-se indispensável verificar a existência ou não de produtos e/ou processos substitutos à invenção tecnológica protegida, bem como analisar as condições do mercado relevante (estrutura da oferta, barreira à entrada de concorrentes e grau de dependência dos consumidores, dentre outros critérios) e principalmente a existência de perspectivas na mudança estrutural do mercado que reduza a competição.

O direito da propriedade intelectual deve ser entendido como um direito temporário e não como um monopólio

O direito da propriedade intelectual deve ser entendido como um direito temporário de propriedade, e não como um monopólio. Cabe examinar, a partir de então, os possíveis efeitos anticompetitivos relativos à exploração patrimonial desse direito, e não mais analisar a abusividade de sua natureza jurídica, que é realizada comumente por meio dos contratos de transferência tecnologia e de licenciamento de direitos intelectuais. Pelo fato de a exploração realizar-se principalmente por meio de contratos, espera-se que os critérios básicos do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para a análise de condutas comerciais sejam largamente utilizados, para confirmar a legalidade de possíveis restrições encontradas nos contratos de tecnologia, principalmente aquelas presentes na Resolução nº 20 do Cade, emitida em 9 de junho de 1999. No entanto, releva mencionar as peculiaridades dos contratos de transferência de tecnologia e de licenciamento e as diferenças em relação a outras condutas, principalmente por envolverem bens imateriais e estes serem indispensáveis para a competitividade empresarial. Ainda, constata-se que esses contratos podem afetar o mercado de inovação, além de limitar ou desenvolver a capacidade competitiva do licenciado, justificando-se, assim, que outros critérios de análise (além daqueles relativos ao mercado de produto e serviços) sejam elaborados para verificar a legalidade de condutas na exploração tecnológica. Diante dessa perspectiva, a Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI) tomou a iniciativa de recomendar aos órgãos da concorrência no Brasil a adoção de um direcionamento formal e específico para o exame desses contratos, por meio da discussão desse assunto em sua comissão da concorrência e da elaboração de um texto inicial denominado "Diretrizes básicas para o exame de contratos de transferência de tecnologia e licenciamento de diretor da propriedade intelectual sob uma perspectiva do direito." Como não poderia deixar de ser, pela atualidade e importância do tema, a implementação de diretrizes básicas está sendo largamente discutida no "XXV Seminário Nacional da Propriedade Intelectual", que será concluído hoje em São Paulo.