Título: Novas fronteiras
Autor: Leandro Modé
Fonte: Valor Econômico, 30/08/2005, Valor Especial / CORRESPONDENTES BANCÁRIOS, p. F1

Mais de R$ 70 bilhões já são movimentados nos caixas de mercadinhos, farmácias e lotéricas. É uma febre longe do fim

Antonio Larguesa é dono de dois pequenos mercados na zona leste de São Paulo. Dois anos atrás, ele foi convidado pelo Citibank para se tornar correspondente bancário. Aceitou e não se arrependeu. "Assim, evito que meu cliente circule pela concorrência", diz ele. Por questões tecnológicas, há cerca de um mês, ele trocou o Citi pelo Santander. Pelo contrato, recebe R$ 0,20 por operação efetuada. Para a freguesia, nada mudou. Quem visita os Supermercados Nosso Preço, em Guaianases, e Doce Preço, em São Miguel Paulista, pode pagar contas de até R$ 1.000,00 até as 5 horas da tarde, de segunda a sexta-feira. Como Larguesa, outros 40 mil estabelecimentos comerciais tornaram-se correspondentes bancários de 2000 para cá. É uma febre, que, a julgar pelo apetite dos bancos, parece estar longe do fim. Para se ter uma idéia, em 2004, de acordo com o Banco Central, quase 90% das contas correntes abertas no país foram originadas em um correspondente bancário. Entre depósitos, saques, operações de crédito, pagamento e recebimento, esses pontos movimentaram quase R$ 70 bilhões no ano passado. Para Luís Ricardo Torniero, superintendente-adjunto de correspondentes bancários do Grupo Santander-Banespa, "é uma relação de ganha-ganha". Para o banco, a vantagem começa por não ter de investir na abertura de agências. Segundo alguns executivos do setor, uma nova agência custa cerca de R$ 500 mil, sem contar os gastos operacionais, como funcionários, por exemplo. No correspondente, o dispêndio restringe-se ao equipamento. Além disso, o parceiro - por se localizar, em sua maioria, na periferia de grandes cidades e em pequenos municípios - permite que os bancos atinjam um público não servido pela rede tradicional. Do ponto de vista do lojista, a maior vantagem é o crescimento do fluxo de pessoas dentro do estabelecimento. Robson Rocha, diretor-executivo do Banco Popular do Brasil, do Banco do Brasil, cita uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo a qual 80% das pessoas que entram nessas lojas acabam comprando algum produto. Ostentar a bandeira de uma instituição financeira respeitada e conhecida é outro ponto positivo. "Dá credibilidade", afirma Eduardo Nassipe, superintendente-executivo da diretoria de novos negócios do Banco Real. Por fim, a satisfação do cliente tende a crescer porque ele pode resolver várias pendências em um mesmo local. O funcionamento dos correspondentes bancários foi autorizado pela resolução 2707 do Banco Central, publicada em março do ano 2000. Mas o negócio só deslanchou a partir de 2003, quando o BC editou outras duas resoluções sobre o tema. Nem todas as instituições financeiras mergulharam no segmento na mesma hora. De início, as mais arrojadas foram o Bradesco, com o Banco Postal, e o Banco do Brasil. Agora, outras começam a vislumbrar boas oportunidades de ganhos e traçam suas estratégias. O Bradesco ganhou a concorrência para utilizar a rede dos Correios em 2001. De lá para cá, mais de 5,4 mil agências foram habilitadas a oferecer serviços que incluem, entre outras operações, abertura de conta, solicitação de empréstimos, saques, depósitos e pagamento de boletos. Nesse período, o Banco Postal, sozinho, acrescentou 4 milhões de novas contas à carteira do Bradesco, o equivalente a um quarto do total de clientes. O número surpreende, mas, segundo André Cano, diretor do Banco Postal, é preciso cuidado ao analisá-lo. "São clientes diferentes, que pagam uma taxa de manutenção bem inferior e são, portanto, menos rentáveis", explica. A meta da instituição é chegar a 6 milhões de clientes em dois anos. No Banco do Brasil, o Banco Popular foi implementado para valer no segundo semestre do ano passado. Hoje, já são cerca de 4,5 mil postos de atendimento e mais de 1,3 milhão de contas abertas. Como no Banco Postal, no Popular é possível executar mais operações do que o simples pagamento de boletos bancários. Na área de crédito, por exemplo, a instituição realizou mais de 1,2 milhão de operações e deve lançar, em breve, dois novos produtos. Um deles é o financiamento de material de construção e o outro, de bens duráveis. A carteira total de empréstimos soma hoje R$ 110 milhões. Outra novidade recente é a venda de seguros de vida, iniciada em agosto. Com R$ 2,00 por mês, o beneficiário tem direito a R$ 2,5 mil de auxílio-funeral e R$ 2,5 mil de indenização. Por conta da agressividade, Bradesco e BB dão atenção especial à gestão do risco. "É uma faixa da população que o sistema financeiro não conhecia e está aprendendo a trabalhar", diz Rocha. Segundo ele, os índices de inadimplência estão dentro do projetado, mas são maiores do que os da clientela "tradicional". Cano ressalta que o "pulo do gato", nessa área, é saber adequar os sistemas e produtos ao público. "Por conta disso, já lançamos um cartão de crédito em que a anuidade é dividida em 12 vezes", exemplifica. Os bancos ABN Real e Santander-Banespa mudaram recentemente suas estratégias e decidiram ampliar suas redes. O Santander, por exemplo, tem hoje 200 parceiros, mas quer chegar a 2,5 mil até o fim de 2006. "Algumas negociações estão em curso e, quando fechadas, daremos um salto nessa área", promete o superintendente Luís Ricardo Torniero. O Real tinha 180 correspondentes no início de 2004. Hoje são 500. A idéia é crescer ainda mais. "Trata-se de um ´business´ no qual queremos estar", diz o superintendente Eduardo Nassipe. Os correspondentes bancários também têm se revelado um eficiente instrumento de inclusão bancária. Os dados do Banco Postal são prova disso. Oitenta e sete por cento dos clientes que abriram conta em alguma agência dos Correios ganham até três salários mínimos. Quase 40% deles recebem até um salário mínimo. Atentos a esse benefício, países como Índia, Venezuela, Vietnã e África do Sul já enviaram delegações para reuniões no Bradesco e Banco do Brasil para saber detalhes dessas operações. A questão da segurança, contudo, preocupa donos de estabelecimentos e executivos do sistema financeiro. Quando um supermercado, farmácia ou posto de gasolina se torna correspondente, o volume de dinheiro movimentado diariamente cresce. Na teoria, portanto, o local fica mais visado por bandidos. Para evitar problemas, os bancos dão aos comerciantes um seguro, que reembolsa as perdas decorrentes de um roubo ou de um assalto até um valor pré-determinado (que varia de instituição para instituição). Ainda assim, há quem prefira deixar de ser correspondente por causa da violência. É o caso de Alysson Coelho Aragão, proprietário da sapataria A Preferida, situada em Sobral, no norte do Ceará. "Desisti do negócio porque os assaltos na vizinhança estavam crescendo demais", diz ele, que operava para o Bradesco.