Título: "Superávit de 4,25% é mais que suficiente"
Autor: Raymundo Costa e Jaqueline Paiva
Fonte: Valor Econômico, 31/08/2005, Especial, p. A20

Crise Novo candidato do Campo Majoritário à presidência do PT diz que quer uma 'relação madura' com o governo

"Conte comigo para ajudar a construir uma relação madura entre o partido e o governo." Foi assim que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cumprimentou Ricardo Berzoini (SP) após sua escolha com candidato do Campo Majoritário à presidência do PT, em substituição a Tarso Genro. O cumprimento formal é o indício da relação que Berzoini busca construir entre o partido e o governo: apoio, mas criação de espaço para o pensamento crítico. O excesso de rigor fiscal da equipe econômica, por exemplo. Berzoini pretende sair pelo país para participar de debates com a militância em busca de apoios. "Espero vencer no primeiro turno". Mas avalia que apenas 30% dos 850 mil filiados vão comparecer às urnas. O temor é que os outros quatro candidatos se unam no segundo turno para derrotá-lo. O candidato não tem ilusões sobre a recuperação do "charme" do PT, perdido depois das denúncias de corrupção ou da idéia de refundação da legenda, defendida por Tarso Genro: "Temos de construir a imagem de uma organização a partir da realidade e não do imaginário". Valor: Qual sua posição sobre o superávit de 5,1%? Ricardo Berzoini: Para a equipe econômica há um jogo de símbolos, porque um superávit maior que o acordado, mesmo não estando citado no orçamento, tem um significado importante para o mercado. Em 2003, eu apoiei o superávit de 4,25%, maior que o praticado no último ano do governo FHC. Entendia que era importante apoiar uma política rigorosa de transição. Mas hoje temos estradas precisando de reparos urgentes, grande demanda para capacitação de jovens e adultos e vários programas sociais que poderiam ser acelerados. Para atender a estas demandas, chegamos ao ponto de lutar para o cumprimento de 4,25%. Fazer 4,25% cravado é demonstração mais que suficiente que o governo tem austeridade fiscal e preocupação com o equilíbrio fiscal e sua manutenção. Valor: Em que medida o aperto fiscal interfere na política? Berzoini: Por exemplo, na relação com o Congresso. Ao contrário do que dizem, as emendas parlamentares não representam uma relação fisiológica. Elas pulverizam investimentos para regiões que na maioria dos casos só teriam dinheiro do governo federal com a ação de parlamentares no Orçamento. Se é para ter as emendas e não liberá-las por conta do aperto fiscal é melhor acabar com elas. Isso faz com que nós tenhamos uma relação política difícil no Congresso, por conta de excesso de austeridade. A execução orçamentária, hoje, é é feita de forma linear, sem observar as prioridades. Valor: Com a política de austeridade o governo tem conseguido melhorar o perfil da dívida? Berzoini: Acho que o importante é a redução constante e gradual da relação dívida/PIB. Se o governo conseguir estipular uma meta a ser atingida nos próximos 20 anos que dê segurança de que o rigor fiscal é compromisso do país e não de um partido ou outro, se torna mais importante que uma queda brusca, que pode não se manter. Este governo já contabiliza uma grande vitória de desdolarizar a dívida interna, que hoje é de apenas 5%. Nós temos conseguido reduzir a relação dívida/PIB com os superávits e o crescimento da economia. Com isso, demonstramos que o Brasil tem solvência e capacidade de honrar seus compromissos. Não precisamos de uma queda abrupta. Valor: O discurso do sr. não fica muito no fio da navalha para tentar uma composição com vários setores do partido? Berzoini: Não tenho ilusão de que vou conquistar votos na esquerda com este discurso por-que é o que eu já falava quando estava no governo. A base da esquerda partidária tem sua ideologia e não quero avançar sobre ela. Defendo os fundamentos da política econômica, mas é preciso elevar os gastos para o país aumentar seu crescimento. Valor: Haverá punições no PT? Berzoini: Não vai terminar em pizza. Mas não será como nos filmes de bangue-bangue, em que o povo se reúne na praça, julga e enforca sem direito à defesa. Não vamos também açodadamente punir deputados que foram orientados pelo tesoureiro (Delúbio Soares). Precisamos separar o caso de deputados que sacaram dinheiro no Banco Rural, porque o tesoureiro do partido encaminhou-os para lá. Cometeram ilegalidade eleitoral. Não se confunde ética partidária com ética parlamentar. Deputados que pegaram dinheiro para pagar campanha é diferente daqueles que usaram o dinheiro de outra forma. Sou a favor da retirada de todos os acusados da chapa, mas não farei disso a discussão principal.