Título: BC indica plano para salvar o Rural
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 31/08/2005, Finanças, p. C1

Recuperação Banco reconhece problemas, faz provisão e tem prejuízo de R$ 129,7 milhões

O Banco Rural provisionou R$ 156 milhões em créditos de difícil recebimento, inclusive os R$ 56 milhões emprestados ao publicitário Marcos Valério, suposto operador do "mensalão", conforme determinação do Banco Central, que, após fazer uma Inspeção Geral Consolidada (IGC) na instituição até julho, fez uma série de recomendações para salvar o banco. Com isso, o balanço semestral, publicado hoje, traz um prejuízo de R$ 129,7 milhões e redução do patrimônio líquido de R$ 636,13 milhões para R$ 525 milhões no período de junho de 2004 para junho de 2005. Fato singular para um banco de médio porte em funcionamento. Esse foi o início de uma operação de "ruptura com o passado" , segundo Paolo Zaghen, ex-diretor do Banco Central e ex-presidente do Banco do Brasil. Ele, juntamente com Gustavo Loyola, também ex-presidente do BC, e Nelson Carvalho, ex-diretor do BC, e Caetano Vasconcellos Neto, especialista em direito bancário, estão sendo contratados pela holding do Rural, a Trapézio S.A., como consultores para fazer um projeto estratégico para o banco. O Rural teve sua reputação abalada no curso das investigações da CPI dos Correios, como intermediário de financiamentos para o PT. A sua história de envolvimento em operações suspeitas de irregularidades, porém, vem de longe. Desde a CPI do PC Farias, no início dos anos 90. Nos últimos anos, em cinco diferentes processos, o Banco Central tentou inabilitar a diretoria do Rural, mas tais processos terminaram engavetados pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro. Agora, o banco quer mudar de rumo. O Rural que sai dessa crise de imagem, e que já havia tido perdas importantes na quebra do Banco Santos, será um banco 40% menor. Cerca de 30 agências, de um total de 79, deverão ser fechadas. Ontem começou um Programa de Demissão Voluntária (PDV) que deve reduzir uma boa parte dos 1.800 funcionários. Seu foco, porém, segundo avaliação preliminar de Zaghen, deve continuar concentrado em "midle market" e crédito pessoal. Os ativos totais do banco, entre o primeiro semestre de 2004 e o mesmo período de 2005, tiveram drástica redução. Saíram R$ 7,59 bilhões para R$ 4,64 bilhões ao fim de junho. Os depósitos totais, que no ano passado, nesse mesmo período, somavam R$ 4,5 bilhões, agora totalizam apenas R$ 2,4 bilhões. "As medidas aqui elencadas se, por um lado, reduzem o tamanho do banco, por outro, preservam sua saúde financeira e reforçam sua solidez", garantem os acionistas controladores. A contratação de Zaghen, Loyloa e Carvalho, os três com passagem pelo BC, não representa uma "intervenção branca" do BC, já que eles não participação da gestão da instituição. O convite foi feito pelo diretor do Rural, João Heraldo Lima, que também foi dirigente do BC no passado e, nas conversas, ficou claro que as recomendações da IGC da fiscalização do BC seriam integralmente atacadas. "Os consultores só aceitaram o trabalho depois de serem informados pelos acionistas que o balanço do Rural incluiria todas as providências contábeis determinadas pelo BC, junto com o compromisso de adotar a lista de medidas saneadoras", diz a carta dos acionistas controladores. Além do provisionamento de todos os créditos considerados pelo BC de difícil recuperação, a instituição afirma que adotará "uma política agressiva de recuperação de crédito". Ontem mesmo a Justiça deu prazo de 24 horas para que Marcos Valério e seus sócios paguem a dívida de R$ 56 milhões ou indiquem bens à penhora, em resposta a três ações impetradas pelo banco. Ao reconhecer os problemas do passado e mostrar que todos eles estão absorvidos no balanço do semestre, o Rural assegura que tal transparência associada às medidas saneadoras "eliminam todas as incertezas" sobre o futuro. Aos consultores, assinala ainda a carta dos acionistas, caberá orientar o planejamento estratégico que buscará recolocar o banco no mercado, redefinir seu foco, sua estratégia de crescimento e recuperar a rentabilidade. Uma primeira avaliação dos consultores mostrou que a carteira de crédito do Rural é boa, que é preciso estancar a perda de depósitos e melhorar sua imagem, arranhada pela mesma crise que abalou o governo do PT.