Título: Novos rumos para os acordos sindicais
Autor: Denise Neumann
Fonte: Valor Econômico, 01/09/2005, Brasil, p. A2

Os metalúrgicos, especialmente os do ABC paulista, sempre foram vanguarda no movimento sindical, como categoria capaz de dar parâmetro aos demais trabalhadores. Agora, os metalúrgicos que trabalham em montadoras de veículos negociaram aumento real de 3,7%, a partir de setembro (mês de data-base). Esse percentual representa entre 70% e 75% da inflação passada (estimada entre 5% e 5,2% pelo INPC acumulado até agosto), que também será reposta aos salários. Na soma, o reajuste deve chegar a 9% . É o dobro da inflação estimada para os próximos 12 meses e representa um forte aumento do poder de compra para cerca de 35 mil trabalhadores da região. Pelas contas da subseção do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-econômicos (Dieese), esse aumento vai injetar na economia regional R$ 166 milhões no prazo de um ano, incluindo o décimo-terceiro salário. Esse é o terceiro aumento real consecutivo pago aos metalúrgicos desse segmento específico, totalizando perto de 10% de ganho acima da inflação entre 2003 e 2005. O aumento de 3,7%, mais a inflação pelo INPC, serão pagos aos trabalhadores com salários até R$ 6,523,00. A partir daí, um valor fixo será incorporado aos salários. Para o piso, o aumento total será maior que para os demais: 12%. Na esteira dos metalúrgicos, outras categorias podem brigar por aumentos reais mais expressivos neste ano e acender, assim, velhas preocupações de indexação salarial ou de crescimento de demanda acima do potencial da economia. Tudo isso é "blá, blá, blá". No ano passado, a mesma categoria já recebeu 4% de aumento real, mas a média dos acordos salariais no país pagou entre 1% e 2% acima da inflação, não mais do que isso. Além desse baixo percentual, mais de dois terços da mão-de-obra desse país é informal e não tem sua remuneração negociada anualmente por sindicatos profissionais. O grande mérito do acordo dos metalúrgicos é outro e, esse sim, deveria ser copiado. Por trabalhadores e, especialmente, pelas empresas e sindicatos patronais. A grande inovação deste ano, contudo, corre o risco de ser sepultada por falta de consenso entre as montadoras. E especialmente por uma negativa da Volkswagen, segundo o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, José Lopes Feijóo. Os metalúrgicos da CUT propuseram aos negociadores patronais um acordo por dois anos, tanto para as cláusulas sociais (o que já acontecia) como para as econômicas. Esse pedaço é uma novidade. Pelo acordo firmado na mesa de negociação, as montadoras pagavam este ano a reposição da inflação mais 3,7% de aumento real, e em 2006 pagavam novamente a inflação e mais 1,3% de ganho real. Na última hora a montadora alemã recuou, e a parte da proposta que abrange o ano de 2006 está suspensa. Na mesma assembléia que aprovou o aumento para 2005, no último final de semana, os metalúrgicos do ABC aprovaram a proposta de garantir este ano aumento real de 1,3% para 2006. Mas a aprovação dos trabalhadores ficou condicionada à adesão de todas as montadoras. Feijóo dá sua palavra de que a categoria não vai voltar a atrás e pressionar, em 2006, por um reajuste maior. "Nós não faremos isso. Se o acordo ainda for fechado, vamos cumpri-lo", afirma. "Mas falta o apoio de uma montadora", acrescenta.

Metalúrgicos tentam negociação "dois em um"

Por que razão uma categoria, que durante dois anos seguidos negociou aumentos reais bem mais expressivos (4% em 2004, e 3,7% em 2005), e que ainda é considerada a mais "forte" do país, se contentaria com 1,3% ?. "Porque precisamos olhar a mais longo prazo", responde Feijóo. O desgaste anual de negociar reposição da inflação e mais aumento real impede os trabalhadores de avançar em outros ganhos, explica o sindicalista. "Sem a pressão da data-base, e do reajuste anual, temos mais condições de discutir a fundo questões sociais importantes", acrescenta. Quais cláusulas, quais questões sociais? "Proteção contra assédio sexual e/ou moral e cotas de diversidade na hora das contratações", lista Feijóo. O pedido dos metalúrgicos foi apresentado não apenas às montadoras, mas para todos os grupos patronais dessa indústria, o que inclui autopeças, máquinas e equipamentos, fundição, eletrodomésticos e outros. Mas a expectativa era que nas montadoras a idéia fosse "comprada", justamente pela tradição de vanguarda que, dezenas de vezes, a Volkswagen desempenhou em negociações trabalhistas. Quando uma idéia nova é apresentada na mesa de negociação, sempre parece um drama, diz Feijóo. Por isso, avançar em assuntos novos exige tempo e paciência. Que o digam os sindicalistas mais antigos, que ainda lembram de longínquas negociações, em que os representantes patronais colocavam os trabalhadores propositadamente no sol, sem nem oferecer água. Queriam ganhá-los no cansaço. Muito depois veio a câmara do setor automotivo. Agora, chegou a vez de assuntos tabus. E o pedido envolve tempo. Argumentos de peso Antes mesmo de conhecerem o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre, na mesa de negociação os metalúrgicos bateram na tecla de que a economia estava crescendo e que os diversos ramos do setor metalúrgico vêm colhendo bons resultados. Entre os argumentos, os sindicalistas ponderaram que as montadoras devem bater novo recorde de produção, chegando a 2,4 milhões de unidades - 100 mil acima da previsão oficial da Anfavea, mas de acordo com o que o setor de autopeças vem dizendo. No setor eletroeletrônico, apesar do desaquecimento nos meses de maio e junho e da queda do dólar, o que facilita a importação, a previsão é de crescimento de 15% no faturamento. E a produção de bens de capital subiu 29,5% no primeiro semestre, período em que todo o setor metalúrgico criou 44 mil novas vagas no país, um aumento de 2,9%.