Título: Velloso propõe sistema de metas para reduzir a relação dívida/PIB
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 01/09/2005, Brasil, p. A2

O economista Raul Velloso apresenta hoje, no Fórum Especial promovido pelo Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae), uma proposta ousada, que pressupõe adotar, na política fiscal, o mesmo princípio do regime de metas para a inflação. Ele sugere a fixação de metas de redução da relação dívida líquida/ Produto Interno Bruto (PIB), e, como mecanismo para cumprir essas metas, a criação de um "gatilho" temporário, que permita suspender despesas do Orçamento quando o nível da dívida fugir dos trilhos. Ou seja, os gastos com aumento de salários, concessão de novos benefícios previdenciários, dentre outros, seriam interrompidos, para produzir o superávit necessário a trazer a dívida para a meta. Em suma, cria um regime fiscal de exceção por emenda constitucional. Trata-se de uma idéia para superar o que ele vê como a armadilha do endividamento público, para ser uma plataforma para o governo que assumir em janeiro de 2007. É preciso, porém, ir ao diagnóstico para entender a razão da proposta. A dívida pública é impregnada de taxa de câmbio e Selic (juros básicos). Mesmo com a forte redução dos títulos denominados em dólar, a dívida, cujo estoque era de R$ 971,8 bilhões em julho, tem hoje a seguinte composição: 53,9% em Selic, 12,7% em dólar (incluindo a dívida externa), 21% em títulos pré-fixados e 12,4% nos demais indexadores. "Criamos a Selic nos tempos da hiperinflação e nunca conseguimos nos livrar dela", assinala Velloso. Ainda agora, quando o peso da parcela cambial é pequeno, o que ocorre, olhando num espaço de tempo mais largo, é que cada vez que a taxa de câmbio sobe, pioram as expectativas de inflação e a Selic também sobe poucos meses depois, produzindo menor crescimento e aumento da dívida. Ainda que o governo reaja elevando o superávit, como fez no ano passado, a dívida sobe e desce conforme os movimentos dos juros e câmbio, numa enorme dificuldade de encontrar uma firme trajetória de queda. Tal como pretendia o deputado Delfim Netto (PP-SP), ao sugerir como meta fiscal a idéia de zerar o déficit nominal num prazo de cinco anos, Velloso defende um regime de exceção fiscal como transição para se chegar a uma dívida pública majoritariamente pré-fixada, numa inversão da situação atual, onde a soma de dívida cambial e pós-fixada representa 66% da dívida total. "No mundo dos pré-fixados, as crises são menos catastróficas, porque não criam mecanismos internos de aumento da dívida. O que o Delfim fala é isso, também." Velloso considera necessário "colocar o superávit primário a serviço da redução da dívida", assim como a taxa de juros está a serviço do controle da inflação. O superávit primário de 4,25% do PIB, conforme meta formal hoje, só é suficiente para reduzir a dívida/PIB se o câmbio for constante. "Só serve para evitar o pior", diz. A Polônia fez algo semelhante ao que ele propõe. Antes de formular sua proposta, Velloso concluiu que a política fiscal do governo FHC e de Lula não garante que a dívida é, de fato, declinante em relação ao PIB e, sem isso, o receio de "default" é recorrente e diante desse risco, não há como prefixar a dívida. O principal fator por traz das falhas de todas as projeções feitas pelos economistas sobre esse tema é a taxa de câmbio (cujo pressuposto nos exercícios é de que seja sempre constante), que cada vez que se move arrasta a Selic; o superávit primário não está posto a serviço da redução do endividamento, o que cria enorme insatisfação no meio político, pois não se sai do lugar. Pior, as despesas obrigatórias são crescentes. Não há mais onde cortar nos investimentos e outros custeios e não há mais clima para aumentar as receitas. O Fórum, promovido pelo ex-ministro João Paulo dos Reis Veloso, está focado na crise política e tem como tema a "Reproclamação da República".