Título: A arapuca no forno beneficia golpistas
Autor: Wanderley Guilherme dos Santos
Fonte: Valor Econômico, 01/09/2005, Política, p. A6

O senador Delcídio Amaral e o deputado Osmar Serraglio, presidente e relator da CPMI dos Correios, estão a um mês de uma arapuca que os deixará entre o descrédito e a extorsão. Pela força natural das coisas e pelo mutismo que têm mantido. Todos os depoentes foram acusados de mentirosos, à exceção do publicitário Duda Mendonça, cujo rosto de anjo fatigado atraiu protestos de gratidão por seu convincente depoimento. Sabe-se que o empresário Marcos Valério mentiu em seu primeiro depoimento, mas pouco transpirou de sua segunda ida à CPMI para, segundo prometia, completo esclarecimento. Desde então, os desmentidos de figurões têm sido contraditados por notas de Marcos Valério reafirmando o que dissera. No caso de Duda o mentiroso não foi o empresário. A informação de que dona Renilda, mulher de Marcos Valério, havia tentado sacar milhões de uma agência bancária foi por ela desmentida. Em que ficamos? Qual a situação presente do depoimento de dona Renilda? E o de dona Simone, diretora de uma das empresas de Valério? Fora o que a Polícia Federal tem apurado, o que é que a CPMI descobriu? A opinião pública de nada sabe ao certo, embora repita os disse-me-disses da dramaturgia televisiva. A denúncia de Roberto Jefferson de que a direção do PT, em cumplicidade com o ex-chefe da Casa Civil, deputado José Dirceu, pagava deputados para assegurar votos foi aceita em sua totalidade - o pagamento e o motivo. Marcos Valério, porém, confirmando ter sido o autor dos pagamentos, rejeitou o motivo. Conforme informação recebida da ex-direção do PT, as quantias destinavam-se a cobrir dívidas de campanha. E este era o destino dos recursos não contabilizados, segundo Delúbio Soares. Se não foi o motivo real, Valério pode ter sido cúmplice ou vítima de Delúbio. Até agora a matéria não foi oficialmente elucidada.

O silêncio não é mais cautela, é consentimento

A associação entre datas de saques bancários e votações no Congresso não parece persuasiva. Em entrevista televisiva, o senador Delcídio Amaral indicou que a pista estaria na troca de partido. Mas a evidência é rala. Com dificuldades para provar o alegado a oposição usa a lógica do blefe e aumenta a aposta: o montante de dinheiro em circulação nesse negócio seria café pequeno diante do saque às empresas públicas visando constituir fundo partidário para a perpetuação do PT no poder. Daí a mesma pauta em três Comissões de Inquérito: comprovar a existência do esquema e a cumplicidade, no mínimo tácita, do presidente da República. É provável que existam saques a empresas públicas (os escritórios de propaganda e os veículos de comunicação, vistas as cifras de Duda Mendonça, fazem parte do grupo de assaltantes) e o momento favorecia as investigações. Mas a tese de que os saques tenham sido inaugurados pelo PT e mantidos como seu monopólio faz parte do disfarce da oposição, transformada em obstáculo partidário a séria devassa na mancebia público-privada. A Constituição dá o roteiro. A corrupção segue a divisão de competências entre os níveis de governo. Não existem contribuições generosas da Leão Leão a candidatos presidenciais, nem as siderurgias financiam campanhas de vereadores. Não há divisão de acesso nem escolas preparatórias nessa escalada: mudam os times, as regras do jogo e os troféus (estou terminando estudo a respeito). Quem compra lixo não é quem privatiza telefonia. O PSDB nacional não compra lixo. Praticamente, todas as colunas políticas, econômicas e de variedades repetem a tese do saque sistêmico, com tanto mais ênfase quanto mais se agigantam as denúncias, sem que haja prova nem mesmo de que dona Renilda mentiu. Na edição de domingo, 28/8, a "Folha de S. Paulo" listou (p. 12) 50 perguntas não respondidas pelas Comissões. No último fim de semana, sexta-feira, 26 de agosto, o "Jornal Nacional" divulgou a declaração de um deputado do PSDB de que a CPMI dos Correios comprovara tráfico de influência no Palácio do Planalto. Se verdadeira a declaração, não haveria porque retardar o pedido de impedimento do presidente da República. Mas a notícia foi vaga, de má qualidade jornalística, eficaz somente como difamação. Ao mesmo tempo, a pobreza de provas dá lugar à denúncia de que a CPMI negocia um acordão. A arapuca à espreita das autoridades é essa: ou oficializam a versão de um mirabolante plano de ocupação do poder, ou serão denunciadas como pizzaiolos. Submissão ou descrédito. O silêncio não é mais cautela, é consentimento.