Título: Eleição faz Kirchner enfrentar piqueteiros
Autor: Paulo Braga De Buenos Aires
Fonte: Valor Econômico, 01/09/2005, Internacional, p. A10

Depois de mais de dois anos em que as autoridades evitaram confrontos com grupos de desempregados, orientando a polícia a não interferir com os bloqueios de trânsito feitos quase diariamente pelos chamados "piqueteiros", o governo argentino resolveu mudar de tática e está impedindo que essas facções atuem livremente. Desde a semana passada, a polícia impede que os piqueteiros interrompam o trânsito na principal via de ligação entre a Grande Buenos Aires e a capital. Não por acaso, a mudança de postura ocorre às vésperas das eleições parlamentares de 23 de outubro, quando a principal aposta do presidente Néstor Kirchner é ganhar terreno na província de Buenos Aires, avançando no reduto político do ex-presidente Eduardo Duhalde. Desde o início do governo, Kirchner adota a estratégia de buscar apoio junto aos grupos piqueteiros, e estes vêm atuando como instrumento de pressão na negociação entre o governo e as companhias de serviços públicos privatizadas e para pressionar empresas que aumentaram preços. Grupos mais radicais, entretanto, não respondem à orientação oficial, e a estratégia de impedir os bloqueios é uma reação ao descontentamento causado pelos protestos, um transtorno diário particularmente para a classe média da capital. Kirchner e boa parte de seu gabinete estão envolvidos na campanha eleitoral. Na Argentina a lei não obriga os candidatos a deixarem seus cargos - três de seus ministros concorrem a vagas no Congresso. A mulher de Kirchner, a senadora Cristina Fernández, encabeça a lista governista como candidata a senadora pela província de Buenos Aires, o distrito eleitoral mais importante do país. Sua principal oponente é a mulher do ex-presidente Duhalde, Hilda. Duhalde foi o padrinho político de Kirchner, mas este decidiu construir sua própria base de poder, e os dois romperam sua aliança. Uma brecha na lei eleitoral permitiu que as duas, mesmo pertencendo ao mesmo partido, o PJ (Partido Justicialista), encabecem listas diferentes, o que é denunciado pela oposição como irregular. O envolvimento de Kirchner no processo eleitoral ocorreu mesmo antes do início oficial da campanha, e a atitude foi criticada pela oposição e por organizações civis. "Ninguém respeitou, sobretudo o presidente, os prazos legais para o início da campanha", lembrou Laura Alonso, da ONG Poder Ciudadano. Além de fazer discursos de campanha antes do período oficialmente permitido (a partir do último dia 24), Kirchner e membros do governo protagonizaram outras ações agora questionadas. Na semana passada, Kirchner denunciou um suposto pacto patrocinado por Duhalde e pelo ex-presidente Carlos Menem para desestabilizá-lo. Sem apresentar provas, insinuou que ambos foram responsáveis pela derrubada do ex-presidente Fernando de la Rúa e que estariam buscando derrubar também o seu governo, financiando inclusive grupos piqueteiros. Pesquisas indicam que a estratégia oficial de fazer ataques para ocupar o espaço de Duhalde na província está dando certo. Segundo enquete publicada ontem pelo jornal "Clarín", a mulher de Kirchner é a favorita na província, com 39,2% das intenções de voto, seguida pela mulher de Duhalde, com 18,4%. Se o resultado for confirmado nas urnas, os dois candidatos ao Senado da lista governista, a mulher de Kirchner e o ministro da Defesa, José Pampuro, serão eleitos. A terceira vaga seria da também peronista Hilda Duhalde.