Título: Novo fôlego para a escalada do petróleo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 01/09/2005, Opinião, p. A16

O furacão Katrina estabeleceu um novo e danoso patamar para os preços do petróleo. Sitiado pela instabilidade política de países produtores importantes, como a Venezuela e a Nigéria, e pela demanda praticamente ajustada à oferta em níveis muito altos, as cotações do óleo tendem a subir no curto prazo. As perspectivas de um recuo importante sumiram no horizonte, depois que a capacidade de produção americana no Golfo do México foi varrida momentaneamente do mapa pelo Katrina. Dado o quadro extremamente apertado de suprimento, não há substitutos possíveis para as interrupções forçadas na produção dos Estados Unidos. Ainda que a oferta dos países da Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep) possa ser aumentada, ela será suficiente no máximo para garantir a volta a um status quo problemático. E, mesmo com mais petróleo saindo dos campos do Oriente Médio, há pouca coisa que possa ser feita para reduzir a falta de capacidade adicional de refino, outro dos gargalos que estão embalando os preços para cima. Esse é o drama atual dos Estados Unidos. O governo americano anunciou ontem a liberação de parte de suas reservas estratégicas de óleo, com efeito apenas marginal nas cotações do petróleo. O país não tem estoques de emergência para a gasolina, que já falta em algumas regiões. O Katrina cortou a capacidade de refino em 2 milhões de barris diários - quase o equivalente à produção total da Petrobras - reduzindo-a em 12,5%. Com isso, os preços da gasolina dispararam no mercado futuro e chegaram ontem a corresponder a US$ 120 por barril do produto, uma alta de 33%. O furacão provocou idênticos e fortes movimentos altistas nas cotações do gás, para o qual a situação é igualmente grave, já que para o combustível tampouco há reservas significativas. Não se sabe ainda quando a produção de combustíveis poderá ser normalizada, mas projeções preliminares feitas por analistas do mercado apontam que o West Texas Intermediate, o óleo mais utilizado nos EUA, pode permanecer com preços de US$ 65 o barril até 2007 e não deve cair abaixo dos US$ 60 até 2011. O futuro tornou-se mais incerto e o curto prazo, turbulento. Previsões do mercado indicam que com os estragos já conhecidos do Katrina o PIB do quarto trimestre dos EUA declinará de 4,6% para 3,8%. Há bom espaço para o pessimismo. Para alguns analistas, a diminuição de 10% na oferta de petróleo, gasolina, gás natural e óleo para calefação por alguma semanas seria suficiente para jogar o país para perto de uma recessão. Os desequilíbrios no balanço da oferta e demanda acentuados pelo Katrina têm alcance mundial. A China agiu rapidamente anteontem para impedir a exportação de combustível - ela é o segundo maior consumidor do planeta - e suspendeu isenções tributárias para a venda ao exterior da nafta e da gasolina. Se as cotações se mantiverem na casa dos US$ 70, o crescimento chinês em 2006 poderá diminuir de 8,2% para 7,6%. As dinâmicas economias da Ásia, com exceção do Japão, seriam tragadas pela desaceleração, segundo estudo do UBS. A taxa de crescimento coreana cairia de 4,5% para 2% a da Índia, de 7% para 5,5% e a de Taiwan, de 3,5% para 2,5%. Com EUA, China e Índia se expandindo a menor velocidade, a economia mundial fatalmente perderia dinamismo. Nenhum dos gargalos que levam ao movimento altista das cotações do petróleo - capacidade de produção e de refino - pode ser equacionado no curto prazo, o que acena para preços salgados ainda por um bom período de tempo. Há dois riscos moderados para o Brasil nesse cenário. Uma desaceleração das principais economias retiraria parte do bom fôlego das exportações e contribuiria para um crescimento menor da economia, embora não muito menor. O outro risco reside na reação do BC ao reajuste dos combustíveis, que tornou-se inadiável. O aumento será moderado e não terá um grande impacto na inflação - e este não é o maior problema. Durante meses o espectro da alta do petróleo assombrou as atas do Copom. É muito possível que, fiel a seu conservadorismo excessivo, o BC demore para iniciar o movimento de corte das taxas de juros, absurdamente altas. O Brasil está perto da autosuficiência em petróleo, mas é no BC, e não tanto no preço do petróleo, onde estão os riscos de menor crescimento econômico.