Título: Os sucessos e desafios da indústria automobilística
Autor: José Roberto Mendonça de Barros, Tereza Maria Fern
Fonte: Valor Econômico, 01/09/2005, Opinião, p. A16

A indústria automobilística brasileira passou por grandes mudanças ao longo dos últimos anos, provocadas antes de qualquer coisa pela abertura da economia brasileira. Foram excluídas as chamadas "carroças" dando lugar a uma nova realidade de automóveis. O crescimento econômico brasileiro, a melhoria de renda dos cidadãos, a perspectiva de expansão das vendas diante de uma demanda reprimida e os incentivos fiscais oriundos do acordo automotivo foram determinantes para a atração de novos players para o país. O Brasil recebeu cerca de US$ 20 bilhões aplicados na construção de 22 novas fábricas de veículos e motores. Houve uma verdadeira revolução nas unidades produtivas, modernas e com linhas de montagem robotizadas. A modernização das montadoras locais, associada à chegada de novas, transformou a indústria de autopeças e o complexo automotivo compatível com a exigência internacional, possibilitando a produção de veículos e peças globais. Novos pólos foram criados. Antes restritos ao ABC Paulista e a Minas Gerais, espalharam-se pelo Brasil. Dos novos pólos de São José dos Campos, Campinas, Rio de Janeiro e Paraná, chegando ao sul do país com a General Motors e finalmente, a Ford na Bahia, o setor foi se consolidando e se transformando em um dos parques mais modernos do mundo. Houve o desenvolvimento dos automóveis com motor 1.000 cc, mais baratos, mais econômicos no consumo de combustível e com um preço mais compatível com a realidade de muitos brasileiros. Mas as novidades não pararam por aí. O Brasil conseguiu se firmar como um importante produtor de veículos compactos, com design e tecnologia modernos e com crescente grau de nacionalização das partes e peças. As unidades de design e desenvolvimento passaram a participar do processo de outsourcing global e se transformaram em centros de resultado. Também tivemos importante papel no desenvolvimento da tecnologia dos motores híbridos, movidos a álcool ou a gasolina em qualquer proporção de mistura. Lançado em março de 2003, os chamados flex fuel já respondem por cerca de 63% das vendas de automóveis e comerciais leves. As empresas que desenvolveram o sistema, Bosch entre outras, pretendem exportá-lo para outros países, o que poderá aumentar a demanda do etanol brasileiro. Após os anos de forte expansão do mercado interno, que atingiu seu melhor momento no chamado "ano de ouro" da indústria automobilística, em 1997, quando foram licenciados cerca de 1,8 milhão de automóveis e comerciais leves, a indústria se ressentiu. Nesse momento, o reflexo de todos estes avanços se apresentou na balança comercial, voltando a equilibrar o desempenho das montadoras e possibilitando ao Brasil se transformar em uma importante plataforma de exportação, sobretudo de veículos compactos.

Excelente resultado nas exportações reflete a transformação da indústria e a capacitação da mão-de-obra local

Os mercados foram gradualmente sendo explorados e novos acordos comerciais emergiram. Inicialmente na esfera do Mercosul e, na seqüência, com o México e com o Chile. Existem ainda conversas com a África do Sul, Comunidade Andina e Índia, para ficar em alguns exemplos. As exportações de veículos leves deram um verdadeiro salto, passando de 174 mil unidades em 1990 para 248 mil unidades em 1995, 356 mil unidades em 2000 e 611 mil unidades em 2004. O crescimento não ficou somente no âmbito dos veículos leves, se estendendo também para o restante da indústria automobilística. Atualmente, o Brasil já exporta para cerca de 150 países, o que é bom no âmbito da análise de risco. Somente nos primeiros seis meses deste ano as exportações de autoveículos e máquinas agrícolas somaram US$ 5,1 bilhões. Em todo o ano de 2004 exportou-se US$ 8,4 bilhões, ou seja, seguimos em busca de um novo recorde. Este excelente resultado reflete a transformação da indústria e também a grande capacitação da mão-de-obra local. Já são desenvolvidos no país os chamados carros mundiais, dos quais um bom exemplo é o Fox, da Volkswagen. Totalmente criado no Brasil, desde a concepção em projeto até a montagem final, este modelo é hoje exportado para todo o mundo e fabricado, exclusivamente, no Brasil. O modelo Ecosport, da Ford, é outro exemplo da competência técnica associada a criatividade dos brasileiros. Nos outros segmentos, também se verifica a qualidade dos produtos brasileiros e o salto obtido. Os nossos ônibus estão sendo exportados para diversos países a partir do desenvolvimento de chassis resistentes e leves, o que também ocorre nas linhas de caminhões e tratores. Para os próximos anos, o principal desafio do setor no Brasil será manter a política de investimentos em melhoria tecnológica e no desenvolvimento de novos modelos. Também se constitui em uma importante tarefa o equilíbrio da nossa relação comercial com a Argentina. O elevado custo do capital no país, a alta carga tributária, a valorização recente da taxa de câmbio e a oportunidade de direcionamento de recursos para outros mercados, como China e Índia, que estão apresentando taxa de crescimento superior, são fatores que jogam contra o Brasil. Por outro lado, a dimensão do mercado brasileiro de automóveis, a existência de um parque de autopeças consolidado e a disponibilidade de matérias-primas contam a nosso favor. Também temos uma melhor proteção à propriedade, capacidade de manufatura e melhor sistema jurídico em relação à China.