Título: Superávit maior vem de receitas inesperadas
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 02/09/2005, Brasil, p. A2

Da inesperada arrecadação de R$ 7,8 bilhões a mais do Imposto de Renda (IR) neste ano, cerca de R$ 5 bilhões estão vindo do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ). Comportamento explicado pelos lucros exuberantes das empresas no ano passado, que é o que está permitindo ao governo produzir, este ano, um superávit bem mais encorpado do que a meta. Em 12 meses, até julho, o superávit primário foi de 5,16% do Produto Interno Bruto para uma meta formal de 4,25% do PIB. As receitas com a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) também estão acima das estimativas oficiais, porque a taxa de juros ficou quatro pontos percentuais superior ao projetado quando da elaboração das contas do Orçamento. O secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, assinala que as receitas extras do IRPJ foram "a grande surpresa" até agora, e lembra que isso significa que Estados e municípios estão com cerca de R$ 4 bilhões a mais em caixa, por causa da partilha do IR com os fundos de participação. "O fato é que as empresas realmente estão lucrando. As áreas de siderurgia, mineração, química tiveram lucratividade inacreditável, por causa das exportações. E as empresas voltadas para o mercado doméstico não estão em situação ruim", avalia. "Na margem, quem está vivendo uma bonança com isso são os Estados e municípios, que estão recebendo 10% a mais de receita do que haviam projetado", assinala. Neste ano, o Ministério da Fazenda planejava recolher cerca de R$ 100 bilhões em Imposto de Renda, mas a cifra deverá superar a casa dos R$ 108 bilhões. Levy alerta, porém, que isso não significa que o governo pode sair concedendo mais incentivos fiscais, ampliando o alcance da "MP do bem", conforme desejam os empresários, nem autorizando aumentos de salários do funcionalismo público, ou criando outras despesas, pelo fato de haver algum dinheiro sobrando. "Tem que ter muito cuidado, porque uma coisa é dar incentivo permanente, e outra é estar com um pouco mais de recursos que, na verdade, são puramente cíclicos". Se não dá para sair gastando esse adicional de recursos, os economistas do governo também não estão seguros de que é possível estabelecer metas mais ambiciosas de superávit primário para 2006, consolidando o patamar de 5% do PIB, contando com receitas que podem não se repetir no próximo ano. Há, ainda, muita dúvida na área econômica sobre isso, porque não há segurança sobre o futuro. "Ninguém sabe o dia de amanhã", diz o secretário.

"Tenho é que não gastar mais", diz Levy

De fato, são muitas as incertezas que rondam a política fiscal. "Este ano tem as receitas extraordinárias do Imposto de Renda, que não sei por quanto tempo vão ficar", cita Levy. Mas há vários outros motivos de preocupação, principalmente em relação à quantidade de "esqueletos" à espera de decisão do Supremo Tribunal Federal. A União conta com o bom senso dos ministros do STF para barrar a onda de decisões de juízes de 1ª e de 2ª instância contra a Lei do Real (lei 8.880), do Plano Real. Caso contrário, o Tesouro receberá uma conta estimada de R$ 26,5 bilhões, valor que corresponde à diferença entre o IGP-2, índice aplicado na correção monetária dos contratos vigentes entre julho e agosto de 1994, e o IGP-M, índice demandado pelos correntistas que tinham esses contratos e entraram com ações na Justiça. Só nesta semana estão em discussão a retirada das receitas do Fundo da Pobreza do cálculo das contas dos Estados, para efeito de apuração dos recursos necessários ao pagamento de dívidas à União, e uma revisão de pensões pagas pelo INSS, que representaria, se aprovada, outra conta de R$ 8 bilhões, entre outras. A derrubada do veto presidencial ao reajuste de salários do Poder Legislativo, votada na noite de quarta feira, retroativa a janeiro, despacha para o Tesouro Nacional uma despesa extra estimada em R$ 900 milhões. Isso quando o governo já havia colocado na proposta de Orçamento para 2006 a criação de um plano de cargos e salários para a Câmara dos Deputados, com gasto previsto de R$ 460 milhões em duas etapas, uma em 2006 e a outra em 2007. Além do que, a correção dos salários do Legislativo reforça a demanda dos funcionários administrativos dos tribunais, que também estão reivindicando reajuste. "Não preciso cortar mais. O que tenho é que não gastar mais", declara Levy. A criação de despesa, porém, não pára. Há sérias dúvidas, também, sobre a polêmica questão dos investimentos públicos. Que são necessários fortes investimentos em infra-estrutura, ninguém contesta. Mas no exato momento em que o governo disponibilizou cerca de R$ 2,9 bilhões para os investimentos do Projeto Piloto acertado com o Fundo Monetário Internacional (FMI), faltaram os projetos. No meio do ano, o governo teve que sair correndo para remanejar os recursos de obras que não tinham qualquer perspectiva de começar este ano, para outras que já estavam a meio caminho andado. Ou seja, as reclamações por falta de dinheiro, aparentemente, não procedem. Se a Justiça for bastante criteriosa na aprovação das demandas que geram novos "esqueletos"; se houver uma sinalização concreta da política de rendas do setor público para 2006, como a do reajuste do salário mínimo para R$ 320,00, de acordo com a proposta orçamentária; e se o governo não inventar novas despesas, a disposição do Ministério da Fazenda é não gastar receitas extras, como a que ocorreu este ano com o IRPJ, incorporando-as ao superávit primário. O fato é que, sem as surpresas na arrecadação, a avaliação, na área econômica, é que não dá para assumir compromissos fiscais mais ambiciosos, principalmente quando o caixa da União é, com freqüência, surpreendido com aumento de gastos disparados não só pelo Executivo, mas também pelo Legislativo e Judiciário.