Título: Mortas são testemunhas-chave das principais denúncias de corrupção
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 02/09/2005, Política, p. A9

Nas três comissões parlamentares de inquérito (CPIs) em curso no Congresso - Correios, Bingos e Mensalão - foram citados como testemunhas chave dos supostos esquemas de corrupção pessoas condenadas ao silêncio eterno. Para os membros das CPIs, as mortes dessas testemunhas são "coincidências mórbidas"; para outros parlamentares trata-se de uma linha de defesa covarde. Há ainda quem evite fazer qualquer análise ou comentário por pura superstição. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), por exemplo, ao ser indagado sobre o tema, saiu procurando uma madeira pelos corredores do Congresso para nela bater por três vezes. A citação de pessoas falecidas nas CPIs tem gerado incômodo sobretudo aos seus familiares. Alguns, como a viúva de Ralf Barquete, Sueli Ribas, foram convocados a depor. Barquete é um desses casos. Ele foi secretário de Fazenda em Ribeirão Preto quando o ministro Antonio Palocci era prefeito. O advogado Rogério Buratti, ex-assessor e também ex-secretário de Palocci, alega que Barquete lhe confidenciou o esquema de pagamento de propinas e caixa 2 a Palocci e ao diretório nacional do PT (para a campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva). Pelos depoimentos prestados por Buratti, Ralf Barquete tinha ligações com o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e conhecia o suposto esquema de corrupção montado na prefeitura com participação da empresa Leão Leão, que tinha contatos de recolhimento de lixos e entulhos. Barquete morreu de câncer, em 2004. O ministro Palocci negou todas as acusações. Outro personagem que apareceu na CPI dos Bingos, Armando Dili, também faleceu. Segundo o ex-subchefe de Assuntos Parlamentares Waldomiro Diniz, foi para defender os interesses do "amigo" Armando que ele se encontrou com o empresário do setor de jogos, Carlos Augusto Ramos, o Carlos Cachoeira. Waldomiro perdeu o cargo após ser flagrado recebendo suposta propina de Cachoeira. O empresário do jogo do bicho, por sua vez, disse que contratou Dili para uma consultoria técnica por pressão de Waldomiro. Não faltam exemplos também quando os alvos de investigação são os da CPI Mista do Mensalão. Para justificar saques vultosos feitos nas contas do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, João Cláudio Genu, ex-assessor do líder do PP na Câmara, José Janene (PR), citou que entregava o dinheiro para Pedro Ribeiro Barbosa , que era uma espécie de tesoureiro do PP. Barbosa morreu no ano passado, em 10 de setembro, vítima de enfarto, aos 63 anos. Os filhos dele já reagiram à citação de Genu. Alegam que o pai sequer era funcionário do PP e que fazia apenas a contabilidade para o partido. Agora, o PP alega que pagou, com o dinheiro, o advogado Paulo Goyaz para defender o então deputado Ronivon Santiago. Quem teria entregue a ele R$ 1 milhão não está mais aqui para contar: Valmor Jiavarina morreu no início do ano. O pivô da crise, deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), jura que discutiu sobre o tema mensalão com o correligionário e então presidente do PTB José Carlos Martinez, que morreu em trágico acidente de avião em outubro de 2003. "Parece que as pessoas são escolhidas a dedo. No entorno de todos nós sempre tem alguém que morreu. E estão responsabilizando essas pessoas para se evitar que apure. Vai dar mais trabalho, mas isso não inviabiliza as investigações", concluiu o deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ), da CPI dos Correios. Tasso Jereissati, da CPI dos Bingos, lembra que, curiosamente, também no escândalo de Fernando Collor vários protagonistas morreram, como PC Farias e Pedro Collor. "Ah, e não se esqueça dos mortos no caso de Santo André", lamentou o tucano. "Tudo parece ser culpa de quem já morreu", opina o presidente da CPI dos Bingos, Efraim Morais (PFL-PI). A senadora Heloísa Helena (PSol-AL) acha que "personalidades políticas estão utilizando de forma infame os que não podem mais se defender para justificar seus atos de corrupção". "É inadmissível que estejamos numa situação como essa, em que quem poderia provar algo está morto", diz ela. (MLD)