Título: Valério cuida da imagem e ataca inimigos
Autor: Ricardo Balthazar e Ivana Moreira
Fonte: Valor Econômico, 02/09/2005, Política, p. A10

Crise Vilão do escândalo usa entrevistas para preparar defesa, transmitir recados e confundir investigações

Nos últimos dias o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza deixou crescer a barba e os fios de cabelo que lhe restam na cabeça. Os brasileiros que se acostumaram com sua calva reluzente na televisão ficariam surpresos se pudessem vê-lo, mas Valério não se deixa fotografar assim. Ele diz que não quer a simpatia de ninguém e explica que sua nova aparência é provisória. "Minha pele está um pouco irritada", esclareceu o empresário na quarta-feira, numa conversa com o Valor. Na segunda-feira, Valério vai conceder uma entrevista ao programa "Roda Viva", da TV Cultura. Ele não quer aparecer com manchas vermelhas no rosto e espera evitar isso deixando a pele descansar uns dias. "Se as pessoas pensam que eu vou usar barba, cabelo, para me esconder, ou para que tenham pena de mim, podem esquecer." O vilão do escândalo do mensalão passa a maior parte dos seus dias fechado no escritório de advocacia de seu sócio Rogério Tolentino, num prédio comercial na área central de Belo Horizonte. Ele ocupa a sala de reuniões. Espalhou papéis e jornais por todo canto. A televisão fica sempre ligada num canal de notícias. Há quatro telefones celulares à sua disposição, e a cada 15 minutos um aparelho apita. Cinco advogados trabalham na defesa do empresário. Valério diz que assinou com eles um "contrato de risco", pelo qual receberão uma "participação muito boa" se o ajudarem a arrancar do PT os R$ 93 milhões que está cobrando judicialmente por causa dos empréstimos que alimentaram o esquema clandestino que ele montou para financiar o PT e seus aliados no Congresso. Valério conversa com jornalistas o dia inteiro. Diz que só está interessado em esclarecer tudo que se passou, mas o que ele mais faz é confundir. Nos últimos dias, ele apresentou três versões diferentes para suas relações com a Bônus-Banval, uma corretora de São Paulo que repassou recursos de Valério para os amigos do PT. Primeiro, disse numa entrevista que jamais fizera negócios com a corretora ou se interessara em comprá-la, como alegam seus donos. Na quarta-feira, enquanto eles eram ouvidos pela CPI dos Correios, Valério disse ao Valor que fez um empréstimo para a Bônus-Banval, de R$ 2 milhões "e uns quebrados". No fim do mesmo dia, deixou para lá o empréstimo e emitiu uma nota admitindo depósitos de R$ 6 milhões que teria conseguido de volta depois. Como os parlamentares que se exasperaram com Valério em seus depoimentos já aprenderam, é difícil acreditar no que ele diz, mas é fácil adivinhar suas intenções. Valério tem aproveitado suas entrevistas para transmitir recados para várias pessoas, poupando os banqueiros e os empresários cujos interesses defendeu em Brasília e atacando os políticos que passaram a desprezá-lo. O alvo predileto de Valério no momento é o deputado José Dirceu (PT-SP). "Quero conversar com o ministro José Dirceu", disse ao Valor. "Vocês vão me ver indo atrás dele." E acrescentou: "Quero uma conversa olho no olho para perguntar por que o seu partido me abandonou, por que eles me deixaram no chão." Outro é o publicitário Duda Mendonça, para quem Valério repassou R$ 15,5 milhões. "Quero saber por que privilegiaram outras pessoas e tiraram o fôlego das minhas empresas", afirmou, lembrando que suas agências de propaganda perderam todas as contas do governo que tinham e Duda conservou duas, mesmo depois de admitir que mandou seu dinheiro para fora do país. O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares de Castro merece tratamento diferente. "Ele é um homem honesto", disse. Seu parceiro na montagem do caixa dois petista e o único no PT a assumir em público responsabilidade pelos empréstimos, Delúbio é quem mais colabora com o empresário em seu esforço para persuadir a Justiça de que o PT lhe deve alguma coisa e sair da crise com dinheiro em conta. Para Valério, o Banco Rural, por onde passou grande parte do dinheiro que ele movimentou, também não merecia passar pela situação delicada que enfrenta agora. "O Rural foi uma vítima do PT, tanto quanto eu", afirmou. "Todas as crises que ele passou, passou sozinho. Ele contou que o PT, o governo, fosse pelo menos sinalizar alguma coisa para ele." Valério diz que nunca teve ilusões com o PT. "Ele não é diferente de nenhum outro partido", afirmou. "Eles não são vestais como estão dizendo." Valério votou no presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas só no segundo turno. O empresário diz que sua primeira opção foi o atual ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, que concorreu pelo PPS no primeiro turno e depois apoiou Lula. "Era o que eu achava melhor." Para governador, Valério votou em Aécio Neves (PSDB) e, para deputado federal, em Virgílio Guimarães (PT). É cedo para exigir de Valério uma avaliação realista de tudo que aconteceu. "A operação do PT foi muito simples", disse. "A única coisa que eu fiz nisso aqui foi tomar o dinheiro e pagar as pessoas. Achamos que não ia ter problema. Contabilizamos e pronto." Nada que não tenha sido feito antes por outros: "Tem empresa que já fez isso no passado, só que não apareceu." Pelo que ele tem visto, vai continuar assim por muito tempo. Desde que virou celebridade, Valério tem recebido propostas de todo tipo. "Desde pedido de casamento até pedido de dinheiro", comentou. "Até a Barra da Tijuca vieram me vender aqui." É como ele diz: "Tem aproveitador para tudo."