Título: O corporativismo do Congresso agride o país
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 02/09/2005, Política, p. A12

No meio de uma crise política cujo epicentro é a Praça dos Três Poderes, o Congresso derrubou os vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos projetos que aumentavam os salários dos servidores da Câmara e do Senado em 15%. Se restrita ao funcionalismo das duas casas, os parlamentares fabricaram despesa adicional de R$ 490 milhões neste ano. Se também for derrubado o veto ao reajuste dos salários dos funcionários do Tribunal de Contas da União (TCU), órgão vinculado ao Congresso, essa soma atingirá os R$ 580 milhões. Existe ainda a possibilidade de os funcionários do Executivo e do Judiciário conseguirem na Justiça o mesmo benefício - nessa hipótese o rombo chegará a R$ 9,8 bilhões. A derrubada do veto do Executivo ao reajuste dos funcionários do Legislativo é o ponto máximo de um crescimento acelerado do corporativismo do Congresso. Ele parece estar alheio ao fato de que todos os dias se produzem provas abundantes contra os seus pares nas suas próprias comissões de inquérito e que existe um clima generalizado de desencanto popular em relação à representação política. Acreditar nas instituições é fundamental para a consolidação de uma democracia conseguida a duras penas. Os parlamentares não estão ajudando nada nisso. A sociedade assiste e é agredida por um assombroso descaso dos parlamentares com a opinião pública, o dinheiro público e o futuro da Nação. Desde o início do ano, sucedem-se os fatos que exteriorizam uma realidade melancólica: o Congresso é uma instituição que se fechou em si mesma; não tem compromisso com os seus eleitores; protege seus pares, mesmo quando existem evidências de que tenham cometido crimes; não se sente obrigada a zelar pelo equilíbrio financeiro das contas federais nem acha que o país seja um problema seu. O Poder Legislativo está sendo usado em benefício da corporação e serve à política mesquinha de atingir um governo combalido pelo preço que for - mesmo que seja ao custo de desequilibrar uma economia, comprometer o futuro dos brasileiros ou mesmo o de desgastar completamente a instituição aos olhos daqueles que os mantém e aos seus salários, o eleitor e contribuinte. Já em fevereiro, o Legislativo zombou da opinião pública ao eleger o atual presidente da Câmara, Severino Cavalcanti. Seria uma "lição" no governo Lula - agora, sabe-se, dos excluídos do mensalão -, não fosse um descaso completo à instituição. Severino personifica o corporativismo e a política arqueológica que insiste em desenterrar os seus ossos. Elegê-lo seria apenas mais um ato de isolar-se em si mesmo, nos seus próprios interesses, não fosse o fato de que o presidente da Câmara é o terceiro na ordem de sucessão do país - e o fato de que uma crise não se submete aos controles desses gênios da política, tem uma dinâmica própria e ninguém pode apostar como e quando termina. A zombaria continuou depois disso e está virando uma prática cotidiana. O Senado elevou o salário mínimo para R$ 384,29 - a Câmara teve que vetar, em seguida. Na votação da Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO), deputados e senadores contrabandearam para dentro do projeto uma anistia a dívidas de produtores rurais inadimplentes e um outro aumento substancial do salário mínimo. Por último, o Congresso garantiu o salário de seus funcionários. É uma agressão à pobreza do povo brasileiro; uma agressão ao funcionalismo do Executivo, que praticamente esqueceu o que é aumento. Antes do reajuste, o salário médio dos funcionários da Câmara era de R$ 7.090 - com o aumento, sobe para R$ 8.154 - e a dos funcionários do Executivo, metade disso. No Senado a situação ainda é mais escandalosa: a média salarial de R$ 14.383 passa a R$ 16.541. A verba de gabinete das duas casas destinada à contratação sobe também, de R$ 44.187 para R$ 50.815, para os deputados, e de R$ 70 mil para R$ 80.500 mil, para os senadores. Durante a sessão, o deputado Wladimir Costa (PMDB-PA) contou que a "vitória sobre Lula" seria comemorada de noite, em jantar na casa do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Os 21,9 milhões de brasileiros que têm uma renda de até um quarto do salário mínimo, e os outros 53,9 milhões que vivem com metade do salário, não puderam comparecer ao ágape.