Título: Diretório Nacional deve antecipar dificuldades da eleição de Berzoini
Autor: Caio Junqueira e César Felício
Fonte: Valor Econômico, 02/09/2005, Especial, p. A14

A reunião do Diretório Nacional do PT amanhã pode antecipar a recomposição de forças na disputa pela presidência do partido, em duas semanas. O Campo Majoritário, tendência que comanda as decisões partidárias, mostra sinais de desarticulação e abre espaço para as tendências mais à esquerda conquistarem espaço. Um dos principais articuladores será o presidente da sigla, Tarso Genro, novo aglutinador das forças de esquerda que tentam levar a disputa para o segundo turno e conquistar a presidência. Ontem Tarso anunciou que não apoiará o candidato do Campo Majoritário, o atual secretário-geral do partido, Ricardo Berzoini. O diretório deverá votar amanhã a favor da expulsão do ex-tesoureiro Delúbio Soares, conforme recomendação da Comissão de Ética do partido. A saída de Delúbio foi protelada ao máximo, mesmo com todo o apelo das tendências de esquerda. Outra questão que dividirá os dirigentes é a possibilidade de investigação dos quatro membros da chapa do Campo Majoritário citados no relatório parcial apresentado ontem pelas CPIs dos Correios e do Mensalão que recomenda a abertura de processo de cassação de 18 deputados. A fragmentação do poder conquistado pelo Campo Majoritário poderá ficar ainda mais explícita com a candidatura de Berzoini. Seu nome não tem tanta aceitação entre as diferentes tendências como o de Tarso. "Berzoini não tem a cara do PT arcaico, aparelhista. Mas do jeito que entrou pode passar a imagem de continuísmo. Precisa desvincular-se da herança" , diz o dirigente Francisco Campos, membro do Campo Majoritário. "Para emplacar ele precisa mudar o discurso. Tarso tinha o discurso ideal para o partido. Era a pessoa da refundação, mas precisava amenizar a crítica à política econômica", completa. A mudança de candidato traz às tendências minoritárias a chance de avançar no comando da direção partidária, poucas vezes obtida. "O Campo Majoritário não existe mais. O que existe é uma ficção", sustenta Tarso. "O campo está com a maioria disforme", analisa Campos. A queda de braços entre Tarso e Dirceu demarcou as fissuras internas. Dirceu venceu mas tem limites na influência da nova direção. O processo eleitoral direto do PT, marcado para o dia 18, decidirá além dos novos presidentes da legenda, a nova configuração da direção partidária. Tanto o diretório quanto a Executiva Nacional são definidos proporcionalmente pelo número de votos obtidos pelas chapas inscritas. Sem figurar numa das chapa, um petista não poderá participar desses órgãos. Na próxima direção, por exemplo, o senador Eduardo Suplicy (SP) não poderá participar nem terá direito a voto, porque foi expulso da chapa do Campo Majoritário. O diretório é composto em sua maioria por membros da antiga Articulação, um dos campos fundadores do PT e que sempre dirigiu o partido. Junto a tendências mais conservadoras, formou-se o Campo Majoritário, com 55% de participantes. As duas tendências de esquerda de maior expressão -Articulação de Esquerda e Democracia Socialista - têm 15% dos representantes, cada. O restante é dividido entre os grupos de esquerda menos coesos. A divisão por Estados não é proporcional à origem dos militantes. São Paulo, que tem 25% dos filiados, domina o diretório com 29,7% dos representantes. A atual direção foi escolhida em 2001, data em que José Dirceu foi eleito presidente do partido. O sucesso do PT nas urnas, em 2002 foi fundamental para a consolidação desse grupo dentro do partido. Em 2000, o partido conquistou 187 prefeituras e elegeu 2.485 vereadores. Em 2004, o número de prefeitos eleitos saltou para 411 prefeitos e o de vereadores para 3.679. "A estratégia tornou-se vitoriosa porque o campo defendia uma política de alianças mais ampla e um discurso mais moderado para Lula. Isso não existia na esquerda", analisa o professor de Ciência Política da UFMG, Carlos Ranulfo. "A esquerda perdeu a batalha e o que se consolidou foi uma maioria burocrática." Dirceu teve três mandatos como presidente, entre 1995 e 2002 e foi o primeiro a ser eleito por voto direto dos militantes. Ele foi o grande responsável pela organização e articulação do partido e em torno de seu nome o Campo Majoritário consolidou-se. Mas a eleição do dia 18 pode trazer surpresas. A insatisfação de membros do grupo dirigente ecoa no PT. "Chega de czar no partido. As decisões sempre foram de cima para baixo", reclama Francisco Campos. Na mesma linha, Tarso tece duras críticas: "Não há mais possibilidade de hegemonia, a Executiva tem que ser mais representativa." A intenção do atual presidente do PT é formar um novo campo político que articule os votos da esquerda para derrotar o Campo Majoritário -"Nunca fui integrante do campo. Eu apoiava o projeto político, mas não havia nenhuma relação orgânica". Apesar de não firmar voto em nenhuma tendência, Tarso sinalizou para Raul Pont, candidato pela Democracia Socialista, tendência predominantemente gaúcha. "Não estou montando grupo dirigente. Estou fazendo um núcleo político." A candidatura de Pont teve a segunda maior votação na eleição passada e traz como carro-chefe o discurso de refundação do partido, usado por Tarso. O núcleo gaúcho petista também o atrai. "Raul foi meu vice (prefeito de Porto Alegre) e trabalhamos muito bem", disse. Fundador do Movimento PT, tendência de centro com candidatura de Maria do Rosário, também tenta atrair o apoio desse núcleo para derrotar o Campo Majoritário. A estratégia dos grupos mais à esquerda é levar a disputa para o segundo turno para impor uma derrota a Berzoini. A maior incógnita, neste cenário, é como ficará a relação do partido com o governo Lula caso a mudança do núcleo dirigente se confirme nas urnas.