Título: Anistia a filiados divide petistas
Autor: Caio Junqueira e César Felício
Fonte: Valor Econômico, 02/09/2005, Especial, p. A14

Crise Voto mediante regularização financeira é considerada modalidade interna de 'compra de votos'

A duas semanas das eleições internas do PT, a ameaça de novos desvios éticos paira sobre o partido e suas tendências se dividem quanto a melhor forma de solucioná-la. Como a participação nas eleições que vão renovar os diretórios nacional, estaduais e municipais em todo o país é feita apenas mediante a regularização financeira dos filiados, há em alguns segmentos o temor de que ocorra uma modalidade interna de compra de votos, pelo auxílio no pagamento dessas contribuições por pessoas interessadas na vitória de determinadas chapas. O tema será discutido na reunião do Diretório Nacional amanhã. Por meio de seus apoiadores integrantes do diretório, o candidato Plínio de Arruda Sampaio, da Ação Popular Socialista, irá propor uma anistia financeira aos militantes. "Seria uma forma cautelosa de eliminar uma brecha para o abuso do poder econômico", disse. A tendência centrista "Movimento PT", que defende a candidatura da deputada federal Maria do Rosário (RS), quer um controle externo do processo eleitoral. "Vamos sugerir uma comissão externa ao PT, formada por simpatizantes, integrantes de movimentos populares e pela imprensa, para fiscalizar a votação", disse o ex-deputado Geraldo Magela, do Distrito Federal, um dos articuladores do grupo. "O risco é que o atual regimento permite ao filiado colocar-se financeiramente em dia no momento da votação, quitando o débito no próprio diretório. Isto pode ensejar o clientelismo", afirmou a candidata. A proposta de anistia é polêmica e divide o partido. O secretário-geral da legenda e candidato a presidente pelo Campo Majoritário, deputado Ricardo Berzoini (SP), repele a iniciativa, sinal de que, dificilmente, a esquerda conseguirá prevalecer na reunião do Diretório. "Não existe alguém com capacidade hoje de fazer estes movimentos de abuso econômico dentro do PT. Propostas como essas representam uma postura de quem não vê nos adversários companheiros de partido", disse Berzoini. Segundo o deputado, "anistiar militante é desmoralizar um mecanismo legítimo do partido de se financiar". O tesoureiro da sigla, José Pimentel (CE), também descarta a possibilidade. Para ele, o gigantismo do processo e o fato de o voto ser secreto elimina as possibilidades de fraude. "São sete chapas disputando 88 mil cargos no plano municipal, 1.430 postos no plano estadual e 90 no plano nacional. A fiscalização partirá de todos", disse. Integrante da Executiva Nacional e candidato da Articulação de Esquerda, o dirigente Valter Pomar também critica a possibilidade de anistia. "Sou totalmente contrário. Não se pode fundar uma reconstrução partidária em cima de um ato não-consciente. Os que têm o direito a voto têm a obrigação de contribuir. Veja como é contraditório. Um dos motivos da nossa crise é a opção por buscar recursos via não-militante. Ora, se alguém te diz que o sujeito pode votar sem ter pago, de onde viria o dinheiro do PT então?" Em 2004, de uma receita total de R$ 48,1 milhões, R$ 6,6 milhões vieram das contribuições partidárias. As denúncias de fraudes nos procedimentos internos, porém, não são novas e nem circunscritas ao pagamento das contribuições de filiados inadimplentes. Um petista do alto escalão do governo aponta que nas últimas eleições internas houve diversas denúncias semelhantes: o militante, sem dinheiro para pagar a contribuição e, portanto, inepto para votar, teria a conta paga em troca do direcionamento do voto para a chapa simpatizante daquele que o auxiliou. Pomar reforça a denúncia. Diz que a prática se iniciou nas prévias para as eleições municipais de 1992. "Naquele ano, as prévias de Santo André (SP) foram feitas com métodos muito duros. Desde então, elas começaram a ser precedidas por filiação em massa, pagamento em bloco e transporte de filiados para ir votar, o que, em última análise, corrompia o partido. Depois isso, passou ao processo de escolha das direções partidárias. Isso não é um fenômeno de agora. Acompanhou a evolução do PT nos últimos anos em alguns locais." Ele menciona um desses casos, que teria ocorrido durante o Congresso Nacional do PT em Guarapari (ES), no qual o deputado federal e ex-ministro da Casa Civil José Dirceu foi eleito, desalojando a esquerda e marcando a guinada do partido ao pragmatismo. "Dirceu foi eleito em 1995 por uma pequena diferença de votos, obtida em grande parte em Diadema (SP), que era governada pelo José Augusto, que foi inclusive expulso do partido." José Augusto hoje está no PSDB e é subprefeito de Capela do Socorro, após sair do partido depois de um duro embate com o prefeito atual da cidade, o petista José Filippi.Hoje, o temor de Pomar é que caso semelhante possa ocorrer, reforçado pelo fato de o Campo Majoritário estar fragilizado pela crise e haver real possibilidade de que perca a eleição. "Eles estão em uma situação em que o cenário mais provável é o da derrota, então nos preocupa a possibilidade de que alguns setores do Campo lancem mão de métodos desesperados para terem a maioria", disse o dirigente. A insegurança também está relacionada à falta de informações sobre a imensa massa de novos filiados da sigla, que passou de 430 mil para 820 mil filiados entre 2002 e 2004, depois de um recadastramento. Não se sabe se a maior parte deste contingente é composto por simpatizantes que se entusiasmaram com a vitória petista e, espontaneamente, procuraram o partido; se se trata de eleitores arregimentados por lideranças paroquiais que tendem a reproduzir dentro do partido um mecanismo de clientelismo, ou ainda se são integrantes de movimentos sociais incorporados ao petismo. Na primeira hipótese, o comportamento do eleitor é imprevisível. Na segunda, o novo filiado tende a votar com o dirigente que o filiou e o Campo Majoritário provavelmente se beneficiará. No terceiro, há chances da oposição à atual direção ser beneficiada. Uma análise do quadro de filiados paulistas não permite qualquer conclusão. O PT teve grande crescimento tanto em municípios onde era oposição, entre 2002 e 2004, como Carapicuíba e Hortolândia, quanto onde era governo, como Mauá, Guarulhos e São Paulo. Apresentou queda de filiados, contudo, também em cidades governadas por petistas neste período, como Santo André, Ribeirão Preto e Campinas, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral.